Saúde bucal do idoso: um olhar para além da prótese dentária.

Lorena Vieira Sacramento

 

O processo de envelhecimento populacional no Brasil é evidente e vem sendo observado por meio da constante mudança no padrão da pirâmide etária. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2012 a 2021, a parcela de pessoas com 60 anos ou mais aumentou em 3,4% e passou a representar 14,7% da população brasileira¹. Diante disso, torna-se um desafio a implementação e impulsionamento de políticas públicas com olhar direcionado para o conceito amplo de saúde e direitos da população idosa.

Neste sentido, um grande marco para o acesso e cuidado à saúde do idoso no Sistema Único de Saúde (SUS) veio após a aprovação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que é regulamentada pela Portaria GM/MS nº 2.528, de 19 de outubro de 2006². Além disso, com o Programa Brasil Sorridente, o campo de atenção em saúde bucal para condições especiais e etapas da vida prevê a atenção à saúde da pessoa idosa como parte integrante das competências do cirurgião-dentista no SUS³.

Atualmente, a Atenção Primária à Saúde (APS) se caracteriza como a ordenadora do cuidado e porta de entrada no SUS, tornando-se um ambiente propício para efetividade de ações individuais e coletivas, em ambiente multiprofissional. Desta forma, os profissionais precisam estar atentos aos conceitos de longitudinalidade do cuidado, que se faz presente na atenção à pessoa idosa³. A história de vida, aspectos socioculturais e realidade atual de cada paciente traz repercussões, diretas ou indiretas, na sua saúde geral e na forma com que o mesmo realiza o seu autocuidado. Desta forma, o vínculo e acolhimento são partes importantes no olhar para a saúde do idoso, que precisa ser visto como um indivíduo autônomo, ativo e propenso a gerenciar o seu cuidado, sempre que possível.

A atenção à saúde bucal do idoso visa melhorar sua qualidade de vida e auto estima, ponderando sempre os fatores de risco e comorbidades, baseados no olhar integral do indivíduo4. Durante o atendimento odontológico, é importante avaliar os cuidados com medicações em uso, presença de rede de apoio familiar e inserção em atividades de lazer. Os principais agravos de saúde bucal observados nos idosos são a cárie dentária, doença periodontal, xerostomia (boca seca), lesões dos tecidos moles e, como uma das consequências, o edentulismo (perda dentária)³.

Dentre os agravos citados, merecem destaque a xerostomia e o edentulismo, que apresentam particularidades neste perfil de usuários. A xerostomia tem caráter multifatorial e, em idosos, pode estar relacionada a uso de medicações, condições sistêmicas, tabagismo ou até ao uso prolongado de próteses mal adaptadas. Pode ser contornada por meio do controle da causa identificada, além de orientação do aumento da ingestão de água ou, em alguns casos, prescrição de medicamentos, uso de salivas artificiais e gomas de mascar5.

O edentulismo ainda representa uma condição comum em idosos e um problema de saúde pública no Brasil. Segundo o último levantamento epidemiológico, 22,9% idosos de 65 a 74 anos necessitavam de prótese total (dentadura) em pelo menos uma das arcadas dentárias. Trata-se de um reflexo importante do histórico de precárias condições de vida, além da falta de acesso ao atendimento odontológico e características culturais que influenciam a compreensão sobre a perda dentária³.

As consequências do edentulismo vão além da dificuldade de mastigação e impactos na autoestima. Todas as funções dependentes do sistema estomatognático são impactadas, como a fala e deglutição, promovendo repercussões diretas na dieta, que se torna cada vez mais pastosa ou líquida, além de dificuldades na comunicação4. Desta forma, torna-se cada vez mais necessário desmistificar a perda dentária como fator natural ao avançar da idade, e sim dependente de condições de higiene oral e acompanhamento profissional.

Os cuidados com a higiene oral devem ser orientados não apenas em consultas odontológicas, sendo possível para qualquer profissional de saúde. Para tanto, faz-se necessária a escovação dos dentes utilizando escovas de cerdas macias e pasta de dente com flúor. Em caso de pacientes que não possuem mais dentes, o uso da pasta com flúor torna-se dispensável, mantendo-se a limpeza da gengiva, palato (céu da boca) e língua, sendo estes passos importantes na prevenção do acúmulo de restos de alimentos e bactérias causadoras do mau hálito3,4,6.

Pacientes que usam prótese total ou parcial (dentadura) devem ser orientados a removê-la durante a noite, ou em algum momento do dia. A escovação deve ser feita com escova separada para este fim, associada ao uso do sabão neutro ou pasta de dente. Nestes casos, as pessoas devem ser orientadas a realizar consultas periódicas a fim de avaliar o uso da prótese e adaptação. São sinais de alerta que podem sugerir uma prótese mal adaptada: dificuldades para mastigar, presença de folga entre a prótese e a gengiva, e aparecimento de lesões6.

Além disso, a capacidade funcional do idoso precisa ser avaliada para direcionar as orientações e cuidados de saúde em geral, incluindo a avaliação das atividades diárias de higiene bucal (ADHB)7. Para tanto, recomenda-se o uso do índice de atividades diárias de higiene bucal (IADHB), proposto por Bauer em 20018. Se identificados impactos nas funções de coordenação motora, torna-se necessária a adaptação da técnica e instrumentos utilizados na escovação4. Alguns relatos de caso trazem adaptações eficientes no cabo das escovas de dente, visando uma melhor empunhadura e controle da mesma. Podem ser utilizados abaixadores de língua de madeira ou sugadores odontológicos, disponíveis na APS9.

Por fim, o dentista da equipe de saúde da família tem como atribuições a participação em atividades coletivas e visitas domiciliares. Desta forma, a atenção à saúde bucal do idoso deve ser feita nestes diversos espaços. Diante da análise de demandas e perfil de usuários do território, atividades coletivas voltadas à comunidade, incluindo o público idoso, devem ser incentivadas. Idosos que apresentam dificuldade de acesso à unidade de saúde podem ser assistidos em atenção domiciliar. Cabe à equipe de saúde bucal estabelecer estratégias de atendimento para idosos acamados, incluindo o planejamento de procedimentos menos invasivos e passíveis de serem realizados em domicílio.

Autoria: Lorena Vieira Sacramento – Cirurgiã-Dentista (UFBA); Residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família – FESF SUS/Fiocruz

 

REFERÊNCIAS

  1. Umberlândia Cabral. População cresce, mas número de pessoas com menos de 30 anos cai 5,4% de 2012 a 2021 [Internet]. IBGE: Editoria de Estatísticas Sociais; 22 jul 2022 [citado em 21 nov 2023]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34438-populacao-cresce-mas-numero-de-pessoas-com-menos-de-30-anos-cai-5-4-de-2012-a-2021
  2. Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria GM/MS nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União [Internet]. 19 out 2006 [citado em 21 set 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt2528_19_10_2006.html
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. A saúde bucal no Sistema Único de Saúde [recurso eletrônico]. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. 350 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_bucal_sistema_unico_saude.pdf
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Cadernos de Atenção Básica, 17. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 92 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_bucal.pdf
  5. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. TelessaúdeRS (TelessaúdeRS-UFRGS). O que é xerostomia e como manejá-la? Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS. 08 Out 2021 [citado em 19 set 2023]. Disponível em:https://www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/o-que-e-xerostomia-e-como-maneja-la/. Acesso em: 19 de setembro de 2023.
  6. Brasil. Ministério da Saúde. Caderneta de saúde da pessoa idosa [internet]. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2018. Disponível em:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_saude_pessoa_idosa_5ed.pdf
  7. Vargas AMD, Vasconcelos M, Ribeiro MTF. Saúde Bucal: atenção ao idoso. Belo Horizonte: Nescon/UFMG, 2011. 76p. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2706.pdf
  8. Bauer JG. The index of ADOH: concept of measuring oral self-care functioning in the elderly. Spec Care Dentist. 2001;21:63–7.
  9. Costa RM, Figueiredo FMP, Mariano LC, Marchionni AM, Tunes RS, Oliveira VMB. Adaptações em escovas dentais para pacientes com distúrbios motores: relato de caso. ROBRAC. 2017; 26(77): 61-65.
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