Qual relação existe entre hepatite viral crônica e diabetes?

As hepatites virais representam um grave problema de saúde pública, no Brasil e no mundo devido ao relevante impacto na morbimortalidade e por ser a maior causa de transplante hepático no mundo.

É de extrema importância para a população em geral, o conhecimento dos sintomas, vias de transmissão, diagnóstico, prevenção e tratamento das hepatites virais para o adequado controle e a melhoria na qualidade de vida das pessoas afetadas.

Aproximadamente 25 a 30% dos infectados apresentam, na fase aguda, sintomas inespecíficos, comuns a outras viroses, como, apatia, mal-estar geral, febre, queixas gastrintestinais como perda de apetite, náuseas, vômitos, dores no abdome e mais raramente, o sintoma mais específico, a icterícia. O portador crônico do vírus (Hepatite B e C) pode não apresentar nenhum sintoma, ou seja, ser assintomático por muitos anos e só apresentar queixas na fase mais avançada da doença, a cirrose ou com a presença do hepatocarcinoma. Por apresentar esta evolução clínica, costuma ser conhecida como “doença silenciosa”. Vale ressaltar que a forma clínica crônica é específica da hepatite B e hepatite C.

A principal via de transmissão do vírus B(HBV), é a via sexual, seguida da parenteral, transmissão vertical (de mãe para o filho) e percutânea.

O vírus da hepatite C (HCV) transmite-se, principalmente, por via sanguínea. Apenas uma pequena quantidade de sangue contaminado pode transmiti-lo, caso este entre na corrente sanguínea através de um corte ou uma ferida, ou na partilha de seringas. A transmissão por via sexual é a segunda mais importante. A transmissão vertical também deve ser considerada, porém, de menor relevância.

É importante ressaltar que os vírus da hepatite B e C não se propagam no convívio social ou na partilha de objetos que não sejam perfurocortantes, leite materno, compartilhamento de alimentos, água ou, contato casual como abraçar e beijar uma pessoa infectada. A literatura considera a amamentação segura já que, em teoria, estes vírus só poderiam ser transmitidos na existência de feridas/fissuras nos mamilos da mãe.

O diagnóstico das hepatites virais é realizado com base nos resultados de exame laboratorial/sorológico e, do Teste Rápido (no caso da hepatite B e C). Estes exames estão disponíveis na rede SUS, para toda a população. São exames seguros e confiáveis. O Teste Rápido (TR) foi um avanço de grande relevância para a saúde pública pela facilidade no acesso, execução fora do ambiente laboratorial, segurança e resultado imediato (resultado em torno de 30’ após a coleta/punção digital do sangue).

O TR para hepatite B é de diagnóstico. O resultado reagente (captura do marcador AgHBs) define o diagnóstico da infecção pelo vírus B – Hepatite B. Após este resultado o paciente deve ser encaminhado para o Serviço de Assistência Especializado (SAE) para acompanhamento/tratamento. Após avaliação clínica e laboratorial o profissional médico define a necessidade ou não do tratamento medicamentoso.

No caso do TR ou o exame laboratorial/sorologia para hepatite C apresentar resultado Positivo/Reagente, o usuário testado deverá ser encaminhado para o SAE para realizar o exame laboratorial (Biologia Molecular/Carga Viral) que define seu estado de infectado ou, se trata-se de resposta virológica sustentada (cura após tratamento). Toda pessoa diagnosticada infectada pelo vírus C deve ser submetida ao tratamento. O tratamento para hepatite C apresenta eficácia acima de 95%,

A Diretoria de vigilância Epidemiológica/(SESAB) orienta que a realização do TR para hepatite B e C seja ofertada em todas as unidades de saúde, para a população em geral e, especialmente para grupos específicos, ou seja, aquelas mais vulneráveis à exposição a estes vírus, a exemplo de pessoas em uso de hemodiálise, com Diabetes Mellitus tipo 2, pessoas acima de 45 anos, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens (HSH), homossexuais, portadores de tatuagens e/ou piercings.No Estado da Bahia temos 47 SAEs, situados em municípios distribuídos nos 09 Núcleos Regionais de Saúde. No município de Salvador são 03 destes Serviços que assistem as pessoas com hepatites virais.

A prevenção às hepatites virais está diretamente relacionada às vias de transmissão de cada agente etiológico.

No caso da hepatite B, a forma mais segura e eficaz de prevenção é a vacina. A vacina contra a hepatite B está disponível na rede SUS para a população em geral. Todas as pessoas não infectadas por este vírus devem fazer uso de 03 doses do referido imunobiológico.

É de extrema importância a realização do exame laboratorial/sorológico ou do TR para hepatite B em todas as gestantes para em caso positivo serem adotadas as medidas de prevenção da transmissão vertical.

O sexo com uso de preservativos, não compartilhamento de objetos perfurocortantes (alicates, lâminas, tesourinhas, lixas, escovas de dentes etc.), bem como o não compartilhamento de seringas e outros instrumentos usados na preparação de drogas injetáveis e inaláveis, uso de instrumentos devidamente esterilizados para colocação de piercings e tatuagem são também imprescindíveis para a prevenção da infecção pelos vírus B e C.

Cientes que o tratamento das pessoas portadoras de diabetes requer, frequentemente, o uso diário de agulhas e seringas para medir a glicemia do sangue e administrar a insulina, faz-se necessário uma ampla discussão sobre as estratégias de biossegurança, tais como, o manuseio, controle e descarte destes produtos biológicos, já que estes podem ser via de transmissão importante para os vírus B e C das Hepatites. É fundamental que a educação em saúde, prática comum nos serviços de saúde, tenham atenção especial para as ações de biossegurança voltados para os materiais perfurocortantes utilizados com frequência pelos portadores de diabetes, ressaltando informações sobre a autoaplicação de medicamentos injetáveis, os riscos da reutilização e do descarte correto em lixo doméstico.

Na literatura há registros da associação do vírus da hepatite C com diabetes Mellitus, com ação direta do vírus em produzir resistência à insulina, mecanismo central em sua patogenia. Estudos estimam aumento em 70% no risco de pacientes infectados pelo vírus da hepatite C desenvolverem Diabetes. Existem ainda, estudos que encontraram risco aumentado para a ocorrência de diabetes em pessoas com infecção crônica pelo vírus da Hepatite B. São necessários mais estudos que correlacionem os fatores condicionantes/determinantes para tais achados.

A presença de diabetes aumenta em 60% o risco de hepatocarcinoma, duplicando também o risco de qualquer complicação hepática ou morte por hepatopatia.

As pessoas com diabetes tipo 2 tem maior risco de estarem infectados por vírus B ou C da hepatite. De acordo com a Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH), enquanto o risco de um paciente diabético ter hepatite C é de 4% a 10%, na população que não tem diabetes, o risco é de 0,7% a 1%. Todo diabético precisa saber desse risco aumentado de ter hepatite C e deve procurar seu médico ou unidade básica de saúde para fazer o teste gratuito do vírus. Hoje em dia, o Sistema Único de Saúde (SUS), oferece um tratamento para hepatite C que é extremamente eficaz, evitando evolução do desenvolvimento de doenças hepáticas mais avançadas e potencialmente fatais.

Além disto, a resistência à insulina e o risco de desenvolver diabetes tipo 2 diminuem após a cura da hepatite C, bem como ocorre redução de HbA1c.

Apesar de ser menos conhecida a influência de hepatite B em desencadear diabetes, em estudo transversal, pessoas vacinadas tinham prevalência 33% menor de diabetes tipo 2.

Indicar a vacina contra Hepatite B para as pessoas com diabetes assegura uma melhor qualidade de vida e contribui para o sistema de saúde.

A vacina para hepatite B é recomendada para todas as pessoas com diabetes mellitus, independente da faixa etária, para prevenir infecção pelo vírus da hepatite B fazendo parte do Calendário de Vacinação do Diabético com Grau de recomendação I / Nível de evidência A pelas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2021.

No mês de julho comemoramos o JULHO AMARELO, mês de conscientização, à população e profissionais de saúde, da importância da prevenção, diagnóstico precoce e tratamento das hepatites virais, especialmente das causadas pelos vírus B e C. Várias ações são implementadas como, palestras educativas, testagem rápida em grande escala, principalmente entre os grupos chaves, distribuição de preservativos, e vacinação contra a hepatite B.

Autoras do texto:

Roberta Lordelo Lobo

Médica Endocrinologista CRM15693 Formação profissional: UFBA/USP

Atua no Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia- SESAB/CEDEBA/CODAR

Zilda Afonso Torres Almeida Enfermeira com Residência em Enfermagem Médico-Cirúrgica (UFBA), Especialização em Análise da Situação de Saúde (UFG), Especialização Sobre Gestão das Políticas de DST, Aids, Hepatites Virais e Tuberculose (UFRN), e cursou o Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços de Sistema Único de Saúde, nível fundamental- Ministério da Saúde (SVS/MS) e o Training Programs in Epidemiology and Public Health Interventions Network (TEPHINET)/2018. Técnica da Diretoria de Vigilância Epidemiológica/Coordenação de Agravos/Programa Estadual de Ist,Aids e Hepatites Virais.

Referências:

Secretaria de Saúde da Bahia. Superintendência de Vigilância em Saúde. Diretoria de Vigilância Epidemiológica. Coordenação de Agravos. Programa Estadual de IST,Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico Hepatites Virais, 2021.

MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções, 2017

MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções, 2018

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