Organização da agenda na Atenção Básica

1. Nathália Pereira | 2. Lorena Sacramento                           Dentistas

Para discutir a organização da agenda na Atenção Básica, é fundamental compreender a configuração da Atenção Primária em Saúde (APS), que representa o primeiro nível de atenção e serve como porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS). Essa configuração visa garantir os princípios básicos do SUS, como universalidade, equidade e integralidade, e é definida por quatro atributos essenciais, conforme disposto na Carteira de Serviços da APS (CaSAPS): acesso de primeiro contato, integralidade, longitudinalidade e coordenação da atenção e do cuidado1.

A CaSAPS é dividida em seis categorias: Vigilância em Saúde; Promoção à Saúde; Atenção e Cuidados Centrados na Saúde do Adulto e do Idoso; Atenção e Cuidados Centrados na Saúde da Criança e do Adolescente; Procedimentos na APS e Atenção e Cuidados Relacionados à Saúde Bucal. Essa estrutura visa orientar gestores e população, garantindo a abrangência do cuidado oferecido1. A partir disso, a Vigilância em Saúde emerge como o modelo de atenção preconizado pelo SUS, tendo a Estratégia de Saúde da Família (ESF) como eixo estruturante e norteador do serviço.

Portanto, para a organização da agenda, é necessário entender e garantir previamente esses pontos de atenção. Além disso, é importante estabelecer que não há um modelo de agenda padronizado e institucionalizado que possa ser replicado em diversos serviços. Fazer isso seria contrário aos princípios fundamentais de equidade, integralidade e territorialização, já que cada unidade de saúde está inserida em uma região com determinantes e condicionantes de saúde próprios, que define a organização desse equipamento de forma individualizada e resolutiva.

A chegada do usuário ao serviço pode se dar em circunstâncias emergenciais, com uma demanda espontânea (imprevisível) ou uma demanda programada (previsível). No primeiro caso, tratam-se de queixas diversas que exigem resolutividade no dia ou necessidades administrativas imprevisíveis, como alteração de guia de exames, encaminhamentos e algumas renovações de receita. Configuram as consultas do dia e possuem um foco na queixa/conduta, podendo gerar ou não o retorno2.

As demandas programadas são situações de saúde que possuem intervalos previsíveis, regulares e tem um retorno programado. Inclui condições de doenças crônicas, doenças infectocontagiosas persistentes, gestação, puerpério, puericultura, distúrbios mentais de longo prazo, deficiências físicas e estruturais contínuas, doenças metabólicas, doenças bucais de características crônicas ou cronificadas2. A diferenciação destas demandas deve ocorrer em espaços de acolhimento, e para melhor compreensão desse equipamento sugere-se a leitura do Caderno de Atenção Básica, de número 282.

Ambos tipos de demandas devem ter espaço garantido na agenda para a sua atenção. Porém, a longitudinalidade demonstra-se como o princípio mais desafiador de ser garantido, uma vez que o sistema de saúde do Brasil é historicamente medicocentrado e fragmentado, impactando na continuidade do cuidado ao usuário em consultas programadas regulares3. Nesse contexto, o foco nas condições agudas torna-se maior do que nas condições crônicas, contribuindo para o adoecimento a longo prazo da população. Portanto, pensar na organização da agenda pode melhorar a oferta de serviços ao cidadão, aprimorar o acionamento da rede e otimizar o cuidado3.

O ponto principal é entender a demanda do território, a partir das análises de vigilância em saúde, sobre as condições de adoecimento da população adscrita. Trata-se de um processo de diagnóstico a longo prazo, visando inicialmente definir a quantidade de consultas no dia e de consultas programadas que devem haver no turno de atendimento4. Além disso, ao organizar a agenda, o profissional deve estar atento a contemplar os espaços de planejamento, como reunião de equipe e reunião de unidade, e aos espaços de programas, como atividades coletivas, Programa Saúde na Escola, Atenção Domiciliar e outros.

Não é recomendado setorizar a agenda com a separação de dias ou turnos de atendimento por programa, como “turno de puericultura” ou “turno de HIPERDIA”4. Embora seja uma estratégia eficiente para o planejamento do atendimento pelo profissional, isso acaba se tornando uma barreira de acesso para o usuário, gerando uma maior demanda de eventos agudos, principalmente em unidades que contam com apenas uma equipe de saúde da família. Nesse sentido, mesclar a agenda demonstra ser a melhor estratégia.

Além disso, é imprescindível que os gestores ampliem seu olhar para o atendimento multiprofissional. A incorporação de profissionais que trabalhem nessa abordagem dinamiza o fluxo de atendimento, favorece a integralidade do cuidado e sua qualificação, proporcionando melhor assistência ao usuário e resolutividade de APS2. Nesse sentido, pode-se também integrar a agenda desses profissionais, de modo que o atendimento a alguns casos possa ocorrer no mesmo dia para mais de um profissional, gerando a possibilidade de interconsultas, aumentando a adesão dos usuários e reduzindo o absenteísmo2.

Compreender a dinâmica de atendimento do profissional também é uma estratégia importante. O profissional precisa ter autonomia na marcação e gestão de sua própria agenda, pois pode prever os agravos dos pacientes com demanda programada e, assim, gerir seu tempo de forma mais eficaz4. Além disso, torna-se importante individualizar o tempo de consulta, dedicando mais tempo às demandas de consulta programada, que permitem um melhor planejamento do cuidado e promoção da saúde, e menos tempo às demandas agudas, que idealmente devem ser alocadas nos primeiros horários do turno4. Neste sentido, a estratificação de risco é também um pilar importante, não apenas para lidar com a demanda espontânea, mas também para permitir tais estratégias nas consultas programadas.

Uma outra ferramenta importante para discussão quanto a organização da agenda é o acesso avançado. Trata-se de uma abordagem que visa ampliar o acesso e melhorar o processo de trabalho na APS, e baseia-se em uma regra simples, que constitui seu maior desafio: “fazer hoje o trabalho de hoje”5. Embora este modelo possa favorecer a flexibilidade da assistência, diminuição do absenteísmo e continuidade do cuidado, ele exige uma mudança importante no trabalho em equipe, além de compromisso e tempo para sua implementação5.

Em resumo, a organização da agenda na AB é uma etapa fundamental para o funcionamento dos serviços de saúde. Ao adequar as ofertas de cuidado às demandas dos usuários no território, garantindo a assistência oportuna e individualizada, e ao priorizar a participação dos profissionais de saúde neste processo, valorizando o trabalho em equipe e evitando a sobrecarga direcionada, tem-se uma gestão eficiente da agenda. Como resultados, espera-se uma melhoria no acesso da população, aprimoramento da experiência do paciente e fortalecimento da relação entre a comunidade e os prestadores de saúde.

Conteudistas:

1 – Nathalia Micaela dos Santos Pereira – Mestranda em Odontologia e Saúde pela FOUFBA. Especialista em Saúde da Família pela FESF-SUS em parceria com a Fiocruz no programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família (2024). Estágio da residência em Atendimento às Populações Vulneráveis – População Ribeirinha do Estado do Amazonas pela Sociedade Beneficente de Senhoras do Hospital Sírio-Libanês (2023). Atualização em Endodontia pelo NEAB – Núcleo de Endodontia Avançada da Bahia (2023-atualmente). Cirurgiã-Dentista formada pelo Centro Universitário de Tecnologia e Ciências – UniFTC(2021). Membro fundadora da LAOPIC – Liga Acadêmica Odontológica de Práticas Integrativas e Complementares (2019).

2 – Lorena Vieira Sacramento – Cirurgiã-Dentista – UFBA, Doutoranda em Odontologia e Saúde – UFBA e Especialista em Saúde da Família – FESF SUS/Fiocruz.

REFERÊNCIAS

      1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Carteira de serviços da Atenção Primária à Saúde (CaSAPS): versão profissionais de saúde e gestores [recurso eletrônico]. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. 83 p. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/publicacoes/cartazes-e-cartilhas/casaps_versao_profissionais_saude_gestores_completa.pdf
      2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica; n. 28, V. 1. Acolhimento à demanda espontânea – 1. ed.; 1. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2013a. 56 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_demanda_espontanea_cab28v1.pd
      3. Mendes, EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012. 512 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidado_condicoes_atencao_primaria_saude.pd
      4. Alves, PA em NUTEDS- UFC. Organização da Agenda na Estratégia Saúde da Família. YouTube, 27 de outubro de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=804rnAspcQU
      5. Stelet, BP. et al. “Avançado” ou “precipitado”? Sobre o Modelo de Acesso Avançado/Aberto na Atenção Primária à Saúde. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 20, 2022, e00588191. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs588

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