Manifestações orais da dengue: um olhar ampliado do cirurgião-dentista na Atenção Primária à Saúde

Natália Mesquita - Cirurgiã-dentista

As arboviroses são doenças causadas por vírus de transmissão vetorial, através de mosquitos fêmeas do gênero Aedes, mais especificamente o Aedes aegypti. São doenças de causas multifatoriais envolvendo aspectos como a urbanização, o crescimento desordenado da população, a ausência de saneamento básico adequado e fatores climáticos favoráveis à presença do vetor. Dentre as arboviroses, as mais comuns no Brasil são dengue, zika e chikungunya (ROOPASHRI et al, 2015; BRASIL, 2024).

Apresentam peculiaridades e historicidade que lhes conferem lugar de destaque no cenário dos problemas de saúde pública do país. Todavia, a dengue configura-se como a doença viral transmitida por mosquitos mais comum no mundo (ROOPASHRI et al, 2015). Esta arbovirose apresenta padrão de sazonalidade no Brasil, com aumento do número de casos e risco de epidemias, sobretudo entre os meses de outubro de um ano a maio do ano seguinte (BRASIL, 2024).

A dengue pode apresentar-se de forma assintomática a manifestações hemorrágicas. Na maioria dos casos, seu curso clínico se caracteriza por: febre alta, acompanhada de cefaleia, dor retro-orbital, dores musculares, articulares e abdominal, diarreia, vômitos, inapetência e exantema máculo-papular (BIGARAN et al, 2021). As formas graves envolvem quadro hemorrágico, neurológicos, choque e comprometimento de órgãos alvo, podendo levar o indivíduo ao óbito (BIGARAN et al, 2021; BRASIL, 2017).

São considerados sinais de gravidade da dengue, um ou mais dos seguintes sinais clínicos, que se apresentem no período de declínio da febre. A saber: dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, acúmulo de líquidos, hipotensão postural, sangramento de mucosa, irritabilidade ou letargia e diminuição da diurese (BAHIA, 2024; DIAS et al, 2010).

A literatura aponta que as manifestações orais acometem cerca de 10% dos casos, contudo, a maioria destas encontram-se mais associadas a quadros graves. Dentre as manifestações orais mais frequentes, estão: candidíase pseudomembranosa oral, manifestações mucocutâneas, vermelhidão e edema nas mucosas. Nas formas graves, por sua vez, as manifestações orais mais frequentes são: sangramento gengival, petéquias e focos hemorrágicos nas demais regiões da cavidade oral (ROOPASHRI et al, 2015; FERNANDES et al, 2020).

Segundo Roopahri et al. (2015), as lesões orais podem ser os primeiros sinais clínicos das formas graves da doença. Diante disso, no curso da dengue, os achados orais devem alertar o cirurgião-dentista e a equipe quanto a gravidade do quadro. Isso contribui com o diagnóstico diferencial, resultando na intervenção em tempo oportuno e evitando o óbito como desfecho do caso. Para além da atenção às alterações bucais, a avaliação do quadro geral do paciente deve fazer parte da anamnese do profissional de saúde.

O diagnóstico diferencial no contexto do serviço de saúde que possui o cirurgião-dentista como integrante de equipe multiprofissional reforça, portanto, a potencialidade da interdisciplinaridade e cuidado integral ao usuário (OLIVEIRA & SPIRI, 2006).

O tratamento da dengue deve ser feito sob orientação médica e possui caráter inespecífico, manejando-se os sintomas, associando a hidratação e observando os sinais de gravidade (BRASIL, 2024). Apesar de não tratar a dengue, o odontólogo, como parte integrante da equipe de saúde, pode se configurar como ator importante na assistência ao paciente, conduzindo o mesmo na rede de atenção em saúde, compartilhando o cuidado com os demais profissionais da equipe, orientando quanto ao diagnóstico e contribuindo para um desfecho positivo do caso.

Em estudo sobre o grau de conhecimento dos cirurgiões-dentistas e estudantes de odontologia acerca das manifestações orais causadas por arboviroses, constatou-se que os acadêmicos e profissionais da odontologia possuem relativo grau de conhecimento sobre a temática. Contudo, faz-se necessária a maior disseminação e solidificação do assunto, bem como a realização de mais pesquisas para aprofundamento da questão (OLIVEIRA, 2021).

A notificação de casos suspeitos de dengue possui caráter compulsório, conforme Portaria de Consolidação nº4, de 28 de setembro de 2017, devendo ser feita por profissionais de saúde – incluindo o cirurgião dentista – ou responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde, que prestam assistência ao paciente, conforme a Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975. Isto posto, todo caso suspeito e/ou confirmado deve ser obrigatoriamente notificado ao Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde. O registro deve ser realizado na Ficha de Notificação/Investigação da dengue e inserida no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) (BRASIL, 2017).

Diante de um contexto no qual a dengue apresenta-se como endêmica no cenário epidemiológico do Brasil, é de extrema importância a observância de sinais e sintomas em pacientes que acessam os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2024). O diagnóstico precoce e encaminhamento para o tratamento adequado corroboram para um desfecho positivo, na maioria dos casos.

A Atenção Primária em Saúde (APS) assume papel relevante no controle deste agravo, uma vez que está inserida no território e, consequentemente, pode estar mais próxima da realidade da população (BRASIL, 2024). Portanto, é papel do profissional de saúde inserido na APS, estar sensível e atento a possíveis focos de proliferação do mosquito e ao aumento do número de casos suspeitos atendidos na unidade de saúde, atuando também como agente multiplicador de informações seguras sobre a doença, bem como a sua prevenção.

Colunista: Natália Martins Souza Mesquita. Bacharela em Saúde-UFBA; Cirurgiã-Dentista- UFBA; Especialista em Saúde da Família (FESF-SUS); Técnica do GT Arboviroses (DIVEP/SUVISA/SESAB).

Referências:

BAHIA. Nota técnica conjunta nº 02/2024 – LACEN/DIVEP/SUVISA/SESAB – Notificação, investigação, diagnóstico e encerramento dos casos das arboviroses: Dengue, Chikungunya e Zika. 2024.

BIGARAN, L. et al. Manifestações atípicas em pacientes com Dengue: revisão de literatura. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 13, p. e532101321484, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i13.21484.

BRASIL. Portaria de Consolidação nº4, de 28 de setembro de 2017. Ministério da Saúde. 2017.

BRASIL. Dengue – Profissionais da APS: orientações para diagnóstico e manejo clínico. Cartilhas. Ministério da Saúde. 2024.

BRASIL. Dengue. Ministério da Saúde. Site. Disponível em: < https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dengue>. Acesso em: 2014.

BRASIL. Manual de vigilância sentinela de doenças neuroinvasivas por arbovírus / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. 2017. Brasília: Ministério da Saúde.

FERNANDES, C. et al. Manifestações orais incomuns de infecção viral por dengue. 2016. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervico-Facial. Publicado por Elsevier Editora Ltda.

OLIVEIRA, A. Avaliação do conhecimento dos cirurgiões-dentistas e estudantes de odontologia da cidade de Patos-PB sobre manifestações orais causadas por arboviroses com ênfase em Dengue, Zika e Chikungunya. Patos. 2021.

OLIVEIRA, E; SPIRI, W. Programa Saúde da Família: a experiência de equipe multiprofissional. Rev Saúde Pública 2006;40 (4): 727-33.

ROOPASHRI, G, et al. Implicações clínicas e orais da dengue: uma revisão. 2015. Journal of International Oral Health 2015; 7(2):69-73.

 

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