Associação entre condições sistêmicas e gravidade da doença periodontal

Antenor Vieira – Graduando em Odontologia

As doenças bucais merecem destaque nos serviços de Atenção Primária à Saúde Pública de muitos países. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se  que essas doenças afetem cerca de 3,5 bilhões de pessoas no mundo.1 A doença periodontal é umas das principais manifestações bucais e se define como um distúrbio inflamatório crônico multifatorial causado primariamente pelo acúmulo de biofilme dental, gerando assim, interações dinâmicas complexas entre patógenos bacterianos específicos e respostas imunes destrutivas que atingem os tecidos periodontais. Porém, é uma doença que se apresenta de forma bastante variável, desde sangramentos pontuais durante a escovação ou utilização do fio dental até a promoção de perda óssea acentuada que a longo prazo pode resultar em perda dental se não tratada adequadamente.2

Deste modo, tendo a periodontite como a 6ª condição sistêmica mais prevalente e que acomete, de forma severa, cerca de 11% da população mundial3, estudos indicam que, na Bahia, há uma alta prevalência de gengivite e periodontite na população.4 Se faz necessário o correto conhecimento das associações de condições sistêmicas, em conjunto ao diagnóstico clínico, para o correto estadiamento e graduação a fim de oferecer o manejo terapêutico mais adequado.5  

Como já explicado antes, a doença periodontal pode se apresentar clinicamente de forma diversa, bem como ter sua evolução de maneira distinta de paciente para paciente. Essa variabilidade é determinada pelo perfil genético do hospedeiro e pode ser modificada por fatores ambientais e comportamentais do indivíduo.6

As doenças periodontais e certos distúrbios sistêmicos compartilham fatores etiológicos genéticos e/ou ambientais semelhantes e, portanto, os indivíduos afetados podem apresentar manifestações de ambas as doenças. Assim, a perda de tecido periodontal é uma manifestação oral comum de certas doenças sistêmicas, que podem ter importante valor diagnóstico e implicações terapêuticas.7

Se faz necessário, no primeiro momento, para cirurgião-dentista e para a equipe multidisciplinar, a adoção de um olhar clínico no que concerne às manifestações bucais e relacionar através de uma avaliação integral do indivíduo a outras possíveis pistas que o histórico clínico do paciente possa revelar, deste modo, é imprescindível um bom exame clínico (anamnese e exame físico) para que haja um correto planejamento terapêutico e boa compreensão dos riscos da doença periodontal. 

A literatura aponta mais de 30 condições sistêmicas com algum grau de associação à doença periodontal, no entanto, diabetes mellitus, tabagismo, obesidade/nutrição, osteoporose/osteopenia, ciclo menstrual/gravidez, HIV/AIDS e síndromes genéticas representam alterações sistêmicas relevantes a serem observadas no dia a dia clínico. 

Vamos explorar estas condições a seguir:

Diabetes Mellitus: 

Esta é uma condição sistêmica comum e que provoca diversos efeitos deletérios no organismo humano decorrente da hiperglicemia resultante, dentre as estruturas acometidas, o periodonto é uma das estruturas frequentemente afetada e pode ser um dos sinais clínicos, além de fome frequente, sede constante, vontade de urinar diversas vezes ao dia, perda de peso, fraqueza, fadiga, náusea e vômito. 

Pacientes que possuem diabetes não controlada tem maior inflamação gengival e agravamento dos quadros de periodontite quando comparados a indivíduos não diabéticos, os mecanismos biológicos associados constituem sobre alterações no sistema imunológico que resultam em função de neutrófilos prejudicada ou macrófagos hiper-responsivos produzindo citocinas pró-inflamatórias e também alterações no metabolismo do tecido conjuntivo, que modulam o processo de reabsorção e formação no periodonto, devido a níveis mais elevados de produtos finais de glicação avançada (AGE; do inglês, advanced glycation end) e interação com seus receptores, receptores para AGE (RAGE; do inglês, receptor for advanced glycation end products) induzindo uma modulação do tecido conjuntivo de forma deficiente. 

Logo, o estado glicêmico dos pacientes deve ser continuamente monitorado e os níveis de hemoglobina glicada A1c (HbA1c) devem ser documentados. Idealmente, o nível de HbA1c deve ser de <7,0%, este acompanhamento necessita essencialmente de atuação da equipe multidisciplinar para se obter os melhores resultados.6,8

Tabagismo:

O tabagismo é um comportamento prevalente com consequências generalizadas e graves para a saúde e é o fator de risco ambiental mais importante para periodontite, visto que é considerada como dependência da nicotina é uma condição clínica recorrente crônica.

Na saúde oral, o hábito de fumar pode desenvolver diversas complicações, desde o escurecimento dental até o aparecimento de câncer bucal. Já a sua relação com a doença periodontal é devido às associações em que fumantes exibiram uma prevalência significativamente maior de patógenos periodontais do complexo vermelho (Porphyromonas gingivalis, Tannerella forsythia e Treponema denticola) em biofilme subgengival. Além disso, um potencial efeito negativo do tabagismo sobre as células do sistema imunológico do hospedeiro, especialmente os neutrófilos, foi relatado, tornando seu hospedeiro mais suscetível à periodontite, juntamente a ação física da vasoconstrição periférica induzida por nicotina, assim como a redução no líquido crevicular gengival (GCF; do inglês, gingival crevicular fluid), é consistente com o efeito do cigarro mediado, ao menos em parte, pela modulação da resposta vascular local. 

É importante uma abordagem de conscientização ao paciente e de métodos que desestimulem ou desencorajem o hábito de fumar, uma vez que, os efeitos se mostram dose-dependentes principalmente em pacientes jovens, logo, devem ser continuamente lembrados da importância da cessação do tabagismo para o manejo bem-sucedido da periodontite. 6-8

Obesidade/Nutrição: 

A obesidade é um risco à saúde frequentemente associado a complicações como diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial, fibrinólise anormal, doenças cardiovasculares e outras doenças. Ela é uma condição caracterizada pelo acúmulo de excesso de gordura corporal, definida nos adultos como o índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m2, com um IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 indicando sobrepeso. Acerca da saúde oral, há uma maior prevalência e gravidade mais alta de doença periodontal em adultos com algum grau de obesidade. 

A disfunção em compartimentos do tecido adiposo em excesso está associada a um maior número de células do sistema imune e por consequência maior resposta inflamatória decorrente da liberação de inúmeras citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas, assim, o sistema imune em indivíduos obesos também apresenta a diminuição da atividade fagocítica e comprometimento da função das células responsáveis pela apresentação de antígenos (APC; do inglês, Antigen-presenting Cells) que por consequência, aumenta a susceptibilidade a infecções bacterianas e virais, incluindo bactérias periodontais. 

Com relação à nutrição, há uma tendência de que pacientes obesos apresentem uma má nutrição, que também são pontos importantes para acompanhamento e considerações acerca do controle terapêutico de pacientes periodontais. A periodontite possui associação com baixos níveis plasmáticos de micronutrientes no sangue, logo, as principais a serem observadas pelo cirurgião-dentista são as vitaminas B, C, D, E e Cálcio, embora a literatura ainda necessite de mais pesquisas para promover a elaboração de recomendações nutricionais para a prevenção e o controle das doenças periodontais. 6-8

 Osteoporose/Osteopenia:

A osteoporose é uma doença caracterizada por perda da densidade mineral óssea, o que pode levar à fragilidade óssea e ao aumento da suscetibilidade a fraturas. Acerca da periodontia, a relação entre a osteoporose e a periodontite permanece incerta. Porém, acredita-se que a baixa densidade mineral óssea na maxila e na mandíbula, como resultado da osteoporose, contribui para a patologia periodontal por acelerar a reabsorção do osso alveolar iniciada pela infecção periodontal. Além disso, os fatores que afetam a remodelação óssea sistêmica (hereditariedade, estrógeno, vitamina D) também modificam a resposta tecidual local à infecção periodontal, aumentam a liberação dos mediadores pró-inflamatórios e intensificam a destruição dos tecidos periodontais. 6-8

Ciclo Menstrual/Gravidez: 

As mudanças endócrinas fisiológicas estão estabelecidas como fatores modificadores significativos na expressão da gengivite, pois, alterações/variações em níveis hormonais alteram a relação placa-gengivite devido a uma resposta inflamatória aumentada deste público. Na gravidez e no ciclo menstrual a resposta inflamatória está mais associada a níveis aumentados de progesterona e, secundariamente, a estrogênio, e estes devem ser parâmetros observados dentro da equipe multidisciplinar para acompanhar a evolução do paciente periodontal. 6-8

HIV/AIDS:

Existe uma associação clara entre a infecção por HIV/AIDS e formas severas de periodontite, aumento da perda de inserção periodontal e recessão gengival que estão ligadas a baixa contagem de células imunes, em especial, linfócitos TCD4.

Entretanto, pacientes que realizam a terapia antirretroviral de forma adequada apresentam menos chances de desenvolverem periodontite quando comparados aos que não realizam o acompanhamento, logo, a importância de conscientizar o paciente a seguir a terapêutica indicada para o HIV pode refletir positivamente na progressão da saúde periodontal, além do reforço das ações em saúde que promovam o diagnóstico fácil e precoce. 6,8

Síndromes Genéticas

Síndromes são condições sistêmicas importantes, cuja origem é encontrada em mutações do material genético (DNA), que fazem com que algumas células parem de desempenhar suas funções corretamente, provocando assim efeitos deletérios no corpo humano em vários sistemas. Na saúde bucal com relação à doença periodontal, três síndromes são importantes no pensamento clínico durante uma avaliação e proposta de tratamento periodontal, que são a Síndrome de Down, Síndrome da Deficiência de Adesão Leucocitária e Síndrome de Papillon-Lefèvre. Sendo a Síndrome de Papillon-Lefèvre, a única no grupo de doenças monogênicas em que a periodontite forma um componente significativo do fenótipo e é uma característica clínica definidora. A Síndrome da Deficiência de Adesão Leucocitária exibe manifestação periodontal, pois ocorre o confinamento de células de defesa, em especial os neutrófilos aos vasos sanguíneos e a ausência destes no periodonto permite uma infecção bacteriana acentuada, devido a deficiente vigilância do sistema imune e por consequência danos ao tecido periodontal. Já indivíduos portadores de Síndrome de Down apresentam maior prevalência e severidade de doença periodontal, geralmente se manifestando no período da adolescência e esta relação se dá a anormalidades intrínsecas ao sistema imunológico causadas pela síndrome. 6,8


Colunista: Antenor Vieira Borges Neto – Bacharel em Saúde pelo IHAC – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Milton Santos (UFBA), Graduando em Odontologia (UFBA) e Mestrando em Odontologia e Saúde (PPGOS) na linha de pesquisa em Diagnóstico bucal.


Referências:

  1. BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Doença periodontal é uma das principais causas de perda total de dentes; conheça outros tipos de infecções. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/outubro/doenca-periodontal-e-uma-das-principais-causas-de-perda-total-de-dentes-conheca-outros-tipos-de-infeccoes Acesso em 04/05/24 

  2. Slots J. (2017). Periodontitis: facts, fallacies and the future. Periodontology 2000, 75(1), 7–23. https://doi.org/10.1111/prd.12221

  3. Kwon T, Lamster IB, Levin L. (2021). Current Concepts in the Management of Periodontitis. Int Dent J. Dec;71(6):462-476. doi: 10.1111/idj.12630. Epub 2021 Feb 19. PMID: 34839889; PMCID: PMC9275292.

  4. Silva ÉB, Dias AC, Pereira NC, Viana MA, Silva PF, & Rapp GE (2009). Epidemiologia da doença periodontal no Estado da Bahia: uma breve revisão. Rev. fac. odontol. Univ. Fed. Bahia, 77-80.

  5. Papapanou, P. N., Sanz, M., Buduneli, N., Dietrich, T., Feres, M., Fine, D. H., Flemmig, T. F., Garcia, R., Giannobile, W. V., Graziani, F., Greenwell, H., Herrera, D., Kao, R. T., Kebschull, M., Kinane, D. F., Kirkwood, K. L., Kocher, T., Kornman, K. S., Kumar, P. S., Loos, B. G., … Tonetti, M. S. (2018). Periodontitis: Consensus report of workgroup 2 of the 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri-Implant Diseases and Conditions. Journal of periodontology89 Suppl 1, S173–S182. https://doi.org/10.1002/JPER.17-0721

  6. Jepsen, S., Caton, J. G., Albandar, J. M., Bissada, N. F., Bouchard, P., Cortellini, P., Demirel, K., de Sanctis, M., Ercoli, C., Fan, J., Geurs, N. C., Hughes, F. J., Jin, L., Kantarci, A., Lalla, E., Madianos, P. N., Matthews, D., McGuire, M. K., Mills, M. P., Preshaw, P. M., … Yamazaki, K. (2018). Periodontal manifestations of systemic diseases and developmental and acquired conditions: Consensus report of workgroup 3 of the 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri-Implant Diseases and Conditions. Journal of periodontology89 Suppl 1, S237–S248. https://doi.org/10.1002/JPER.17-0733

  7. Albandar, J. M., Susin, C., & Hughes, F. J. (2018). Manifestations of systemic diseases and conditions that affect the periodontal attachment apparatus: Case definitions and diagnostic considerations. Journal of periodontology89 Suppl 1, S183–S203. https://doi.org/10.1002/JPER.16-0480

  8. Lindhe, J., & lang. (2018). Tratado de Periodontia Clínica e Implantologia Oral. 6. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan

 

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