Aspectos atuais da biossegurança na prática odontológica

1. Rodrigo Pimentel Lins* Márcia Pinheiro Teles**

Há muito tempo existe uma preocupação com a biossegurança em ambientes ambulatoriais e hospitalares devido à descoberta de diversas doenças infectocontagiosas e suas implicações clínicas1. Dessa forma, a biossegurança ocupa um papel fundamental para o profissional de odontologia, sendo importante na incorporação de rotinas, normas, procedimentos de esterilização e desinfecção, além dos cuidados com o meio ambiente pelo gerenciamento dos resíduos de saúde2. Então, é de responsabilidade do cirurgião-dentista e toda a equipe de saúde adotarem medidas para prevenção e controle de infecção no intuito de evitar ou reduzir ao máximo a transmissão de microrganismos durante a assistência odontológica3.  

Devido a essa preocupação, o Ministério do Trabalho brasileiro desenvolveu algumas diretrizes regulatórias, dentre elas, a Norma Regulamentadora nº 32 ou NR32 (última atualização em dezembro de 2022). Seu objetivo é minimizar os riscos biológicos e proteger os profissionais da área da saúde, abrangendo a questão da obrigatoriedade de vacinação, com reforços pertinentes, além da recomendação para cada situação de risco. A capacitação dos profissionais para o trabalho seguro, através de diretrizes para medidas preventivas, favorece a diminuição de chances de infecção cruzada durante o exercício profissional4

Os profissionais de saúde devem estar atentos para os seguintes pontos:

– Imunização:

As vacinas são necessárias para proteção dos profissionais de saúde. Dentre elas, destacam-se a de hepatite B, influenza, tétano e difteria, varicela, rubéola, sarampo e caxumba, tuberculose, tríplice bacteriana para adultos e hepatite A3, além da SARS-CoV-2 (COVID-19). 

Segundo a NR32, todo trabalhador dos serviços de saúde deve ser vacinado gratuitamente e de forma ativa contra tétano, difteria, hepatite B e contra as doenças estabelecidas no PCMSO (Programa de Controle Médico em Saúde Ocupacional). A vacinação deve ser registrada no prontuário clínico individual e deve ser mantido disponível à inspeção do trabalho. Caso o trabalhador se negue a tomar as vacinas, este deve fazer uma declaração de próprio punho explicando os motivos. Esta declaração deve ficar com o empregador e serve como documentação legal4

– Proteção pessoal: 

Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) – jaleco/avental, touca/gorro, máscara cirúrgica, óculos de proteção ou protetor facial (face shield) e sapato fechado, que cubra o dorso do pé, devem ser utilizados em todos os atendimentos pela equipe de trabalho. O uso e armazenamento inadequados de jalecos e aventais fora dos ambientes de trabalho (consultórios, ambulatórios, centros cirúrgicos, dentre outros) devem ser banidos da prática pelos profissionais de saúde. Comumente se vê profissionais com jalecos em ruas, estacionamentos e estabelecimentos próximos às unidades de saúde, trazendo grandes preocupações com as infecções cruzadas, seja do ambiente externo para os locais de trabalho ou levando patógenos existentes das unidades de saúde para locais públicos, veículos e até mesmo os seus lares. 

Todo atendimento deve ser planejado e os materiais separados previamente. Antes e após o atendimento de cada paciente, as mãos devem ser lavadas. Para tanto, devem ser retirados aneis, relógios, pulseiras, fitas ou adesivos. As mãos e a metade dos antebraços devem ser ensaboados por no mínimo 10 segundos, enxaguadas em abundante água fria e secos com toalha de papel, nunca de pano. Deve-se ressaltar que após a colocação da luva, o profissional não deve tocar em superfícies que são tocadas quando está sem luva – como telefones, maçaneta de porta, dentre outras – para que não ocorra contaminação. Sobre-luvas descartáveis devem estar a fácil alcance quando for necessário manipular quaisquer áreas fora do campo de atuação.

Barreiras físicas devem ser utilizadas como aliadas no controle de infecção das superfícies e mobiliários da clínica odontológica no intuito de evitar infecção cruzada5. Estas barreiras devem ser utilizadas para proteger superfícies e pontos específicos como botões da cadeira, alça do refletor, encosto do mocho e as pontas da unidade de sucção (aplicar filme de PVC), superfícies da bancada e do carrinho auxiliar (cobrir com pano de campo descartável), pontas: caneta de alta rotação, envolver em protetor descartável de látex ou sacos de geladinho, manoplas, cones e controle de aparelhos de raio X, além de cabos de espelho (não odontológicos). Não se deve tocar os olhos, nariz, boca, máscara ou cabelo durante a realização dos procedimentos ou manipulação de materiais orgânicos, bem como não se alimentar, beber ou fumar na área de atendimento do consultório.

O material perfurocortante deve ser manipulado com cautela. As agulhas das seringas não devem ser reencapadas, entortadas, quebradas ou retiradas devido ao risco de acidente. Caso o paciente precise de complementação anestésica de uma única seringa, a agulha pode ser reencapada pela técnica de deslizar a agulha para dentro da tampa deixada sobre uma superfície (bandeja do instrumental ou mesa auxiliar). O descarte dos perfurocortantes deve ser feito até completar, no máximo, 2/3 do recipiente.

Referente ao uso de máscaras, em maio de 2023, a ANVISA revisou e atualizou a Nota Técnica IMS/GGTES/Anvisa 04/2020, com as orientações para atendimento de pacientes confirmados ou com suspeita de COVID-19.  Em resumo, as máscaras cirúrgicas continuarão sendo recomendadas para pacientes com sintomas respiratórios ou positivos para Covid-19 e seus acompanhantes, bem como para profissionais que fazem a triagem desses pacientes. Nos procedimentos que gerem aerossóis em pacientes suspeitos/confirmados com covid-19 é recomendado o uso de máscaras N95/PFF2 além de todo EPI descrito acima. Os procedimentos eletivos devem ser adiados até que o paciente não esteja mais no período de transmissibilidade e tenha demonstrado recuperação da doença. Caso não seja possível adiar, o procedimento pode ser realizado desde que sejam seguidas as recomendações quanto ao uso de EPIs pelos profissionais de saúde e sejam tomados os devidos cuidados previstos nesta Nota Técnica6.

-Esterilização:

O procedimento de esterilização compreende a limpeza e eliminação de patógenos dos instrumentos e materiais. A limpeza é o processo mecânico de remoção da sujidade e detritos, com o objetivo de reduzir a carga microbiana, a matéria orgânica e os contaminantes de matéria inorgânica, de modo a garantir em estado de asseio, os artigos a serem esterilizados. As atividades de recebimento, limpeza, lavagem e separação de materiais são consideradas “sujas” devem ser realizadas com paramentação dos seguintes EPIs (avental plástico, máscara, gorro, calçados fechados, óculos e luvas grossas de borracha – não cirúrgicas) e em ambiente próprio e exclusivo3

O processo de limpeza deve seguir o seguinte fluxo: inicialmente deve-se fazer a pré-lavagem de instrumentos com água para posterior imersão completa dos artigos em cesto vazado de recipiente com tampa, com solução desincrustante química ou enzimática. Após o tempo de imersão recomendado pelo fabricante, procede-se a fricção manual com escova de cerdas de nylon macias. Posteriormente, retira-se o cesto vazado com os instrumentos que devem ser encaminhados para lavagem em água corrente para a remoção total do detergente utilizado. Os instrumentos devem ser secos com toalhas absorventes7,8.

Após essa primeira etapa, deve haver uma barreira física separando a área contaminada da área limpa de modo a evitar o cruzamento de artigos não processados (sujos) com artigos esterilizados (limpos). Na área limpa deve-se fazer a inspeção visual para verificar a presença de algum resíduo a ser eliminado (caso apresente sujidade, deve retornar para a área de lavagem). Em Seguida, deve ser realizado o preparo e embalagem dos materiais com papel grau cirúrgico para posterior esterilização em autoclave. Deve-se ressaltar que a esterilização deve passar por monitoramento físico, químico além do biológico, e todos os materiais devem ser esterilizados após uso único. Já a validade da esterilização é de no máximo 30 dias para materiais acondicionados corretamente em local limpo e adequado.

– Gerenciamento de resíduos de saúde:

Os resíduos de saúde são classificados em cinco grupos distintos:

Grupo Nível de risco
A Riscos biológicos – inclui dentes, raízes, material com sangue e saliva.
B Substâncias químicas – inclui sobras de anestésicos, revelador e fixador radiográfico.
C Rejeitos radioativos – como descarte de peças do equipamento de raio-x.
D Rejeitos comuns – equiparados aos resíduos domiciliares
E Materiais perfurocortantes – como equipamentos e dispositivos afiados, cortantes ou pontiagudos, potencialmente capazes de produzir acidentes

(ANVISA, 2005)

Os estabelecimentos de saúde devem adotar procedimentos adequados na geração, acondicionamento, fluxo, transporte, armazenamento, destino e demais questões relacionadas com os resíduos de serviços de saúde, conforme legislação sanitária (Resolução ANVISA 306/04; Resolução CONAMA 358/05 e NR32/05)3

O descarte dos resíduos deve seguir a orientação descrita no Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde – PGRSS, o qual descreve o manejo adequado, a utilização do serviço de coleta especial, bem como o descarte do material contaminado em recipientes preconizados pelas normas da ABNT3

O atendimento nos ambientes de cuidados com a saúde (hospitais, unidades básicas de saúde, centros de atendimento especializado, ambulatórios, entre outros), deve ser norteado pelas boas práticas da biossegurança. A existência de um protocolo operacional padrão, bem como o treinamento e atualização das equipes de saúde, devem ser constantemente estimulados pelos gestores. Um estudo recente, realizado em 2022, concluiu que apesar da biossegurança ter cada vez mais relevância, devido principalmente ao contexto pandêmico vivido, ainda existem profissionais e acadêmicos que negligenciam algumas delas9. Assim, gestores e profissionais da saúde devem ser conscientizados quanto às condutas de biossegurança, para prestar um serviço de melhor qualidade, corroborando com sua própria segurança ocupacional, além de proporcionar um atendimento mais seguro ao paciente.

Colunistas:

     

      1. Rodrigo Pimentel Lins – Cirurgião-dentista, Doutorando em Odontologia e Saúde pela FOUFBA, Mestre em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas pelo ICS – UFBA, Especialista em Endodontia pela FAMAM/CEBEO; Habilitado em Odontologia Hospitalar pela FBB – ABO/BA.*
      2. Márcia Pinheiro Teles – Cirurgiã-dentista, Doutoranda em Odontologia e Saúde pela FOUFBA; Mestre em Odontologia pela FOUFBA; Especialista em Saúde e Segurança do Trabalho pelo ISC – UFBA; Especialista em Saúde Coletiva e da Família pelo Instituto São Leopoldo Mandic; Habilitada em Sedação Consciente com Óxido Nitroso pela ABASCO -SP.**

    Referências Bibliográficas:

    1 SCHIFFERS, H. et al. Examination of cross contamination risks between hospitals by external medical staff via cross-sectional intercept survey of hand hygiene. GMS Hyg Infect Control. v. 9, n. 2, 2014 

    2 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ODONTOLOGIA. ABO. Odontologia Segura: Biossegurança e segurança do paciente. 2018. [acesso 05 mar 2024]. Disponível em: https://www.abo.org.br/uploads/files/2018/06/manual-de-biosseguranca-revisado.pdf

    3 CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA CFO. Manual de boas práticas em biossegurança para ambientes odontológicos. 2020. [acesso 05 mar 2024]. Disponível em: https://website.cfo.org.br/wp-content/uploads/2020/04/cfo-lança-Manual-de-Boas-Práticas-em-Biossegurança-para-Ambientes-Odontologicos.pdf

    4 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria MTE n.º 485, de 11 de novembro de 2005. NR 32 – Segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde. Diário Oficial União. 2005 Nov 16 [acesso 05 mar 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/arquivos/normas-regulamentadoras/nr-32-atualizada-2022-2.pdf

    5 SOARES, A. J. et al. Biossegurança na prevenção da contaminação cruzada na prática odontológica: Sistema Integrado de Clínicas Odontológicas SICOD-FOP-UNICAMP. Piracicaba: FOP-UNICAMP, 2021. 87p.

    6 BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica GVIMS /GGTES/ANVISA Nº 04/2020. [acesso 07 mar 2024]. Disponível em:  https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/notas-tecnicas-vigentes/ NT042020covid31.03.2023alterada02.05.2023.pdf

    7 BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação de Controle de Infecção Hospitalar. Processamento de Artigos e Superfícies em Estabelecimentos de Saúde. 2. ed.- Brasília, 1994. 50p.

    8 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Orientações Gerais para Central de Esterilização. Brasília, 2001.56p.

    9 SANTOS, R. L; VELOSO, K. M. M. Conhecimento de profissionais e acadêmicos sobre biossegurança em odontologia: revisão integrativa. Maranhão: Faculdade de odontologia de Lins/UNIMEP, v. 32, n. 1-2, jan-dez, 2022. 

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