A qualificação do encaminhamento da Atenção Básica para os Centros de Especialidades Odontológicas 

1. Leila Monteiro | 2. Thaís Machado - Cirurgiãs-dentista
1. Leila Monteiro | 2. Thaís Machado – Cirurgiãs-dentistas

As ações e serviços de saúde bucal, como parte integrante do campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), estão presentes em todos os níveis de complexidade da Rede de Atenção à Saúde (RAS), garantindo a integralidade da assistência não apenas no que concerne a melhoria dos índices de condições de saúde bucal, como também na saúde sistêmica do indivíduo, já que possui repercussão nas condições gerais de saúde. Dentro do contexto de uma RAS poliárquica, com a horizontalização dos pontos de atenção à saúde diferidos pelas densidades tecnológicas, a Atenção Básica se destaca com o papel de coordenação do cuidado. Sendo assim, a qualificação do encaminhamento para os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), a partir da Atenção Básica, objetiva que os usuários do SUS com necessidade de atendimento odontológico especializado sejam referenciados aos CEOs de forma criteriosa e precisa, evitando a sobrecarga do serviço e otimizando o tempo dos profissionais.

Para isso, alguns pontos devem ser seguidos na atuação da equipe de Saúde Bucal (ESB) na Atenção Básica como o acolhimento do paciente por meio de uma abordagem biopsicossocial e o exame clínico através de uma anamnese apurada e exame físico minucioso, podendo ser sucedido de exames complementares como radiografias intrabucais e/ou extrabucais, ultrassonografias, ressonâncias magnéticas e tomografias computadorizadas. Estes dois últimos exames solicitados em casos específicos e por meio de Autorização de Procedimentos Ambulatoriais (APAC).. A compreensão clara e concisa do quadro clínico pelo cruzamento de informações coletadas propicia a determinação do diagnóstico – ou de hipóteses diagnósticas – do problema odontológico apresentado, que deve ser identificado no Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) de acordo com a Classificação Internacional de Atenção Primária (CIAP2) e Classificação Internacional de Doenças (CID-11 e/ou CID-OE), assim como o registro do odontograma e do plano de tratamento individualizado elaborado pelo cirurgião-dentista.

Os procedimentos realizados pelo cirurgião-dentista, que em sua maioria são cirúrgicos, devem ser igualmente registrados no PEC e seguir uma sequência priorizando as necessidades de acordo com a avaliação e o diagnóstico. A exposição de alternativas terapêuticas deve ser realizada e considerada a preferência do paciente. Ao apreciar a conveniência e imprescindibilidade de atendimento odontológico específico, o profissional referencia o usuário para serviço odontológico de outro nível de complexidade da RAS. Os CEOs são ambulatórios especializados da Atenção Secundária, onde os cirurgiões-dentistas especialistas atuam em casos mais complexos que extrapolam a capacidade resolutiva da Equipe de Saúde Bucal (ESB) da Atenção Básica, garantindo a continuidade do cuidado. As especialidades que devem compor este equipamento de saúde são estomatologia (diagnóstico bucal, com ênfase de câncer bucal), endodontia (tratamentos endodônticos), periodontia (procedimentos periodontais especializados), cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial (cirurgia oral menor dos tecidos moles e duros) e odontologia para pacientes especiais (atendimento odontológico a portadores de necessidades especiais). Outras especialidades como prótese dentária, odontopediatria, implantodontia, ortodontia e ortopedia facial podem ser implementadas.

O encaminhamento do usuário é feito por meio de Ficha de Referência e Contrarreferência – utilizada dentro da RAS –, em que constam informações sobre dados pessoais, histórico de saúde, avaliação bucal, diagnóstico, plano de tratamento e justificativa para o encaminhamento. A mesma Ficha é utilizada pelo segundo profissional para redirecionar o usuário ao serviço odontológico de origem após conclusão de procedimento especializado ou parecer. A otimização do fluxo deste serviço é obtida por meio de educação continuada das ESB, comunicação e integração dos profissionais de saúde. A organização do serviço de saúde bucal deve considerar o rol de procedimentos ofertados pelo SUS, as evidências científicas, o conhecimento profissional adquirido e a realidade local. O matriciamento entre os cirurgiões-dentistas da Atenção Básica e os do CEOs promove a troca de conhecimentos e experiências entre os profissionais, reduz os encaminhamentos para especialistas e direciona o atendimento ao profissional mais adequado para cada caso. A qualificação do encaminhamento para os CEOs a partir da Atenção Básica, representada pela comunicação eficaz e pelo matriciamento dos profissionais, é ferramenta essencial para otimizar o fluxo do serviço, garantir a qualidade do atendimento e ampliar o acesso a serviços especializados. A implementação dessas estratégias pode contribuir para a construção de um sistema de saúde bucal mais eficiente e resolutivo.

DESAFIOS PARA A QUALIFICACAO DO ENCAMINHAMENTO

Cada município possui sua realidade local e, por isso, os desafios para uma efetiva qualificação do encaminhamento são muitos e diferentes em cada cidade. Fatores de planejamento e regulação, de gestão clínica, de acesso aos serviços, de recursos humanos, de sistemas de informação e comunicação ,e os de apoio logístico permeiam estes desafios. Segue abaixo alguns desafios encontrados para que ocorra uma efetiva qualificação do encaminhamento da Atenção Básica para os Centros de Especialidades Odontológicas.

      • O preenchimento completo da ficha de referência pelos profissionais da APS.

      • O enquadramento clínico dos critérios clínicos de inclusão e exclusão escritos nos protocolos de encaminhamento das especialidades.

      • A comunicação efetiva com o paciente o orientando que solicite a devolutiva da ficha de contrarreferência preenchida por parte dos profissionais do CEO.

      • O monitoramento local da demanda encaminhada e da que efetivamente conseguiu o atendimento no CEO na sua comunidade.

      • A informação perante o paciente, junto com a entrega da ficha de referência, dos contatos telefônicos e endereços de onde são ofertados os serviços dos CEOs existentes na sua RAS.

      • A realização do agendamento para os serviços do CEOs ocorrer na própria unidade de saúde da atenção básica através de sistema regulatório municipal.

      • A inclusão do formulário de referência e contrarreferência no Prontuário eletrônico odontológico.

      • A ciência (assinatura) digital do paciente no prontuário eletrônico, confirmando ter sido informado da necessidade da continuidade do serviço em atenção de média complexidade.

    PROTOCOLO DE ENCAMINHAMENTO

    O protocolo é um instrumento municipal relevante que contém os requisitos básicos para a referência, os critérios de inclusão e exclusão e uma sugestão de fluxograma para cada especialidade. O protocolo deve ser de amplo conhecimento de todos os trabalhadores da odontologia e deve ser atualizado sempre que houver necessidade.  São considerados critérios gerais para referência ao Centro de Especialidades Odontológicas:

        • O usuário deve ser encaminhado com eliminação da dor e com ações realizadas para controle da infecção bucal.

        • Os casos de urgência devem ser solucionados nas Unidades Básicas ou no Pronto-Atendimento.

        • O encaminhamento deverá ser feito por meio de formulários de referência/contra-
          referência, acompanhados ou não de exames complementares e radiografias.

        •  Após o término do tratamento, o paciente será encaminhado para a unidade de
          saúde de origem para conclusão do tratamento e manutenção, com o formulário
          de contrareferência devidamente preenchido onde conste a identificação do
          profissional, diagnóstico e tratamento realizados.

        • As necessidades encaminhadas que incluam duas ou mais especialidades para
          sua resolução deve ser resolvida por meio de interconsultas no CEO.

        • Pacientes com estado de saúde geral que comprometa o tratamento odontológico devem primeiramente ser estabilizados na Unidade Básica de Saúde para posterior encaminhamento.

      Colunistas:
      1. Leila Monteiro – cirurgiã-dentista; especialista em Saúde Coletiva, mestre em Tecnologias em Saúde; discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Odontologia e Saúde da Universidade Federal da Bahia.

      2. Thaís Machado – cirurgiã-dentista; especialista em Estomatologia; discente de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Odontologia e Saúde da Universidade Federal da Bahia.

      REFERÊNCIAS

          1. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 setembro 1990.

          1. BRASIL, LEI nº 14.572, de 8 de maio de 2023. Institui a Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para incluir a saúde bucal no campo de atuação do SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 maio. 2023.

          1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. A saúde bucal no Sistema Único de Saúde [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2018. 350 p. : il. 

          1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2008. 92 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica 17).

          1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde.
            e-SUS Atenção Primária à Saúde: Manual do Sistema com Prontuário Eletrônico do Cidadão PEC – Versão 5.2 [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Secretaria Executiva. – Brasília: Ministério da Saúde, 2023.

          1. BRASIL. Portaria nº 599 de 23 de março de 2006. Define a implantação de Especialidades Odontológicas (CEOs) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelecer critérios, normas e requisitos para seu credenciamento.

          1. BRASIL. Portaria nº 2.436, de 22 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a Estratégia Saúde da Família como modelo de atenção básica para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e para os demais arranjos de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 set. 2017.

          1. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 2010.  

          1. BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil Sorridente – saúde bucal no SUS. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/brasil-sorridente. Acesso em: 14/02/2023

          1. Vazquez, Fabiana de Lima et al. Referência e Contrarreferência na atenção Secundária em odontologia em Campinas, SP, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2014, v. 19, n. 01

          1. Martins RC, Reis CM, Matta Machado AT, Amaral JH, Werneck MA, Abreu MH. Relationship between Primary and Secondary Dental Care in Public Health Services in Brazil. PLoS One. 2016 Oct 18;11(10).

          1. Serra CG, Rodrigues PH de A. Avaliação da referência e contrarreferência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ, Brasil). Ciênc. saúde coletiva . 2010 Nov; 15:3579–86.

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