A importância do cirurgião-dentista na detecção precoce e prevenção do câncer de boca.

Marcel Carvalho

Colunista: Marcel Jhonnata Ferreira Carvalho – cirurgião-Dentista, profissional da Atenção Básica no Município de Salvador, especialista em Saúde Coletiva com ênfase em Saúde da Família – UFBA, especialista em Implantes Dentários, doutorando pela UFBA.

 

O câncer oral é uma condição grave que pode afetar os lábios, língua, gengivas, bochechas e o céu da boca. Sua prevenção e detecção precoce são fundamentais para aumentar as chances de tratamento bem-sucedido.

O estágio evolutivo da lesão é muito importante, ou seja, casos com diagnóstico precoce poderão resultar em cura total da doença, entretanto, para os casos mais avançados, o tratamento é mais complexo, e o prognóstico, sombrio. Por essa razão, é que o ensino do autoexame de boca aos membros da comunidade é fundamental1.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) modificou a terminologia das lesões e condições orais pré-malignas e as denominou lesões com potencial de malignização, citando-se, nessa classificação, como lesões potencialmente malignas, leucoplasia, leucoplasia verrucosa proliferativa, eritroplasia, queilite actínica, fibrose submucosa, líquen plano e atrofia por deficiência de ferro3.

Mais de 90% dos tumores malignos presentes na cavidade bucal são carcinomas de células escamosas (CEC). Estima-se que os tumores malignos primários de boca correspondam a 3% do total mundial de casos de neoplasias malignas. A literatura relata a predileção por idosos do sexo masculino, porém o número de casos de câncer de boca em adultos jovens está aumentando3.

Listamos algumas maneiras específicas pelas quais podemos contribuir com a saúde dos nossos pacientes:

Educação e Conscientização:

A importância do cirurgião-dentista na prevenção ao câncer de boca.

O cirurgião-dentista deve desempenhar um papel ativo na educação dos pacientes sobre os fatores de risco associados ao câncer de boca, incluindo o tabagismo, o consumo excessivo de álcool e a infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV).

Avaliação de Risco:

Durante as consultas regulares, o cirurgião-dentista pode avaliar o histórico de saúde do paciente, incluindo fatores de risco específicos para o câncer de boca. Essa avaliação ajuda a identificar indivíduos que podem estar em maior risco e que podem se beneficiar de monitoramento mais frequente.

Exames Clínicos Regulares:

Durante as consultas de rotina, o cirurgião-dentista realiza exames clínicos detalhados da cavidade oral. Isso inclui a observação cuidadosa de lábios, gengivas, língua, bochechas, céu da boca, identificando potenciais lesões precursoras ou anormalidades que poderiam indicar a presença de câncer bucal. Lesões como leucoplasia e eritroplasia demandam especial atenção, sendo indicadores de possíveis transformações malignas.

Orientação sobre Higiene Oral Adequada:

Instruir os pacientes sobre a importância da higiene oral adequada é fundamental. Uma boa saúde bucal não apenas previne diversas condições, mas também contribui para a detecção precoce de alterações na cavidade oral.

Monitoramento de Lesões Potencialmente malignas:

Lesões como leucoplasia (manchas brancas) e eritroplasia (manchas vermelhas) podem ser sinais de potenciais condições pré-cancerígenas. O cirurgião-dentista pode monitorar essas lesões ao longo do tempo e tomar medidas apropriadas como encaminhamento par avaliação por estomatologista ou biopsia de lesões, nos casos que julgar necessário.

Colaboração Interdisciplinar:

A colaboração interdisciplinar é essencial, com o cirurgião-dentista compartilhando informações e trabalhando em estreita parceria com médicos de saúde da família, e outros profissionais de saúde. Este intercâmbio de conhecimentos facilita a integração de abordagens terapêuticas e a implementação de estratégias de prevenção secundária em pacientes com histórico de câncer bucal.

Promoção de Estilos de Vida Saudáveis:

Além de tratar as condições bucais, o cirurgião-dentista pode promover estilos de vida saudáveis, incluindo a cessação do tabagismo e a moderação no consumo de álcool, contribuindo assim para a prevenção do câncer de boca.

Orientação sobre Autoexame Oral:

Realizar o autoexame regularmente é uma prática simples que pode ser incorporada à rotina de autocuidado do seu paciente. Aqui está um guia passo a passo para ajudar a guiar o paciente no autoexame do câncer de boca:

1. Ambiente Adequado e Lavagem das Mãos:

Oriente-o a escolher um local bem iluminado e utilizar um espelho para facilitar a visualização da boca.

2. Observação Geral:

Inicie observando a área ao redor da boca, incluindo lábios e pele. Procure por quaisquer alterações de cor, inchaços, feridas ou áreas anormais.

3. Lábios:

Examine cuidadosamente os lábios, tanto o superior quanto o inferior. Esteja atento a feridas que não cicatrizam, manchas brancas ou vermelhas incomuns.

4. Gengivas e Bochechas:

Levante as bochechas e examine as gengivas e o interior das bochechas. Preste atenção a áreas doloridas, inchaços, ou qualquer mudança na textura dos tecidos.

5. Língua:

Estenda a língua para fora e examine todas as suas partes, incluindo a parte superior, inferior e os lados. Observe qualquer anormalidade, como feridas, caroços, ou mudanças na cor.

6. Assoalho da Boca:

Incline a cabeça para baixo e examine o assoalho da boca (abaixo da língua). Procure por áreas elevadas, feridas persistentes ou qualquer mudança no padrão normal do tecido.

7. Céu da Boca (Palato Duro e Mole):

Abra a boca amplamente e observe o céu da boca. Preste atenção a quaisquer alterações, como manchas vermelhas ou brancas, ou áreas ásperas.

8. Amígdalas e Parte Posterior da Garganta:

Incline a cabeça para trás e examine as amígdalas e a parte posterior da garganta. Busque por inchaços, assimetrias ou qualquer outra anomalia.

9. Movimentos da Articulação Temporomandibular (ATM):

Realize movimentos suaves da mandíbula, observando se há dor, ruídos ou limitações nos movimentos.

10. Sensibilidade e Dormência:

Esteja ciente de qualquer área na boca que apresente sensação de dormência, formigamento ou falta de sensibilidade.

Consulte um Profissional de Saúde

Se notar qualquer alteração suspeita durante o autoexame, não hesite em procurar a orientação de um dentista ou médico. Detecção precoce é a chave para um tratamento eficaz.

Outro destaque que gostaríamos de trazer neste mês é o cuidado do profissional com as lesões potencialmente malignas. Estas são alterações nos tecidos que têm o potencial de evoluir para o câncer. Estudos prospectivos mostram que as taxas de transformação de uma lesão pré-maligna para uma maligna varia de 1 a 18%.4 A detecção precoce dessas lesões é fundamental para a prevenção do câncer oral, dentre elas as mais prevalentes são:

Leucoplasia:

Descrição: pode ser caracterizada como manchas ou placas brancas, não removidas por meio de raspagem, não podendo ser conceituada clínica ou patologicamente como qualquer outra doença. Podem apresentar-se sob vários aspectos clínicos, acometendo qualquer região da cavidade bucal, como os lábios, a língua, o soalho bucal e a mucosa jugal, porém as lesões de língua e soalho bucal requerem especial cuidado por serem áreas de grande incidência de câncer oral5.

Eritroplasia:

Descrição: definida como uma placa ou mancha vermelha que não pode ser classificada clinicamente como qualquer outra entidade. Essa pode associar-se a uma leucoplasia adjacente, sendo denominada, nesse caso, eritroleucoplasia. Apesar de ser menos comum que a leucoplasia, a eritroplasia apresenta maior potencial para transformação maligna (14% a 50%), pois em cerca de 90% dos casos é uma displasia moderada ou severa5.

Queilite Actínica:

Descrição: A queilite actínica é uma condição de natureza inflamatória e potencialmente maligna, que acomete o lábio inferior, causada pela exposição prolongada e crônica aos raios solares. As lesões são geralmente assintomáticas, podendo ser brancas, vermelhas, brancas com áreas vermelhas e também ulceradas6.

A população é bastante receptiva às ações preventivas e educativas realizadas e deve ser encorajada a visitar regularmente o dentista em busca de um exame detalhado da boca. Os profissionais devem realizar um exame intraoral criterioso como parte de sua rotina, fazendo, sempre que possível, atualização dos seus conhecimentos sobre o câncer de boca e das lesões potencialmente malignas.

Ações que visam realizar a orientação e a detecção precoce do câncer de boca merecem receber mais visibilidade e apoio das secretarias de saúde estaduais e municipais, objetivando uma maior divulgação do tema.

Referências

1. Chinellato, L. E. M., Martha, S. N., Sant’ana, E., Kanô, S. C., Maeda, L. Porto, V. M. C. Programa de prevenção do câncer bucal no município de Bauru, através do autoexame. Revista Faculdade de Odontologia de Bauru. v. 3, n. 1/4, p. 143-145, jan./ dez. 1995.

2. MAIA, André de Moura Olsen; CRUZ, Cecilia Maria de Sá Barreto; LEAO, Jair Carneiro e CAVALCANTI, Ully Dias Nascimento Távora. Diagnóstico precoce de lesões orais potencialmente malignas em dois municípios do Estado de Pernambuco. Odontol. Clín.-Cient. (Online) [online]. 2013, vol.12, n.1, pp. 47-51. ISSN 1677-3888.

3. Instituto Nacional de Câncer. TNM: classificação de tumores malignos. 6. ed. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2004.

4. Silveira, E. J. D. et al. Lesões orais com potencial de malignização: análise clínica e morfológica de 205 casos • J Bras Patol Med Lab • v. 45 • n. 3 • p. 233-238 • junho 2009

5. Van der waaL, I. Potentially malignant disorders of the oral and oropharyngeal mucosa; terminology,classification and present concepts of management. Oral Oncol, v. 45, n. 4-5, p. 317-23, 2009.

6. MARKOPOULOS, A.; ALBANIDOU-FARMAKI, E.; KAYAVIS, I. Actinic cheilitis: clinical and pathologic characteristics in 65 cases. Oral Dis, v.10, p.212-6, 2004.

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