Tuberculose e a atuação do Cirurgião-Dentista na Atenção Básica

Tais Almeida Santana

A Atenção Básica (AB), em particular a Estratégia de Saúde da Família (ESF), é a principal porta de entrada para o Sintomático Respiratório (SR) ou para a pessoa com Tuberculose (TB) no Sistema Único de Saúde (SUS). O cirurgião-dentista é um dos profissionais que pode permear o contato direto desse usuário com a ESF, sendo de extrema relevância promover seu acolhimento e permitir a integralidade, a ordenação e a coordenação do seu cuidado, amplificando o acesso a esses pacientes. 1

Destarte, para que o empenho no controle da TB seja efetivo, é necessário a descentralização das atividades, o envolvimento de todos os profissionais de saúde, em todos os níveis de atenção com intuito de garantir a qualidade das ações e seu sucesso.

Desta forma é de responsabilização do cirurgião-dentista conhecer seu paciente e familiares, realizar um exame clínico bem detalhado, a fim de reconhecer potenciais suspeitos da infecção, contactes e ativos para contribuir com um tratamento adequado e veemente desses indivíduos.

A TB é uma doença infecciosa crônica, causada por Mycobacterium tuberculosis, ocorrendo na maioria dos casos como resultado da disseminação direta de pessoa para pessoa por meio de gotículas respiratórias de um paciente com a doença ativa.2 É uma doença conhecida desde o século XIX, consumptiva, que acometeu milhares de pessoas no mundo, acometendo cerca de 70 mil pessoas anualmente, 1,3 perfazendo um total de dois a três milhões de mortes ao ano.4 Se mostrando como um grave problema de saúde pública no Brasil, exigindo enfrentamento pelas unidades de AB. 1,3,4 Face a isso foi aprovado na Assembleia Mundial de Saúde (AMS), em 2014, um plano para êxito no ano de 2035, tendo como objetivo o fim da epidemia global da doença, onde o Brasil é o principal partícipe.5

A enfermidade apresenta alguns sinais e sintomas principais, como o desenvolvimento gradual de fadiga, o emagrecimento, a febre vespertina baixa, a sudorese noturna excessiva, a inapetência e a tosse persistente. 2,6 E à medida que vai evoluindo possui alguns estágios, a TB primária, que ocorre em indivíduos não expostos previamente ao microrganismo, envolvendo quase sempre o pulmão. Em raras situações, a TB ativa pode decorrer diretamente de uma infecção primária. 2,6

A tuberculose secundária está associada a medicamentos imunossupressores, diabetes, idade avançada, pobreza e condições de vida. A Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS) representa um dos fatores de risco mais fortemente associados à progressão da infecção para a doença. 2,4 Logo, todo paciente com diagnóstico de tuberculose deve ser testado para HIV como regulamenta o Manual Técnico para o Diagnóstico de HIV. 7 Mais de 50% desses pacientes apresentarão lesões extrapulmonares, podendo observar o envolvimento da cabeça e pescoço. 2

Lesões orais de TB são incomuns, e constantemente coexistem com linfonodos palpáveis, como relata o estudo realizado por Ju et al em 2018. 2,8 As apresentações mais comuns de envolvimento oral são ulcerações crônicas (acometendo mais a região da língua) e aumentos de volume mandibulares associados ao envolvimento intraósseo. Achados menos frequentes incluem alvéolos pós-extrações não cicatrizados, áreas de granulação da mucosa ou áreas de inflamação difusa. Outros sítios que podem ser afetados englobam gengiva, lábios, mucosa jugal, palato mole e palato duro. 2

A partir do acometimento do indivíduo pela doença, num período de duas a quatro semanas, há o desenvolvimento de uma reação de hipersensibilidade mediada por células aos antígenos da tuberculose. Essa reação é a base para o teste cutâneo do derivado proteico purificado (PPD). A positividade ocorre em mais de 80% das populações de países em desenvolvimento, não diferenciando a infecção da doença ativa. Assim como um resultado negativo não exclui totalmente a possibilidade de tuberculose. 2,4

Um protocolo diferente chamado de quimioprofilaxia é usado para pacientes que têm um teste cutâneo PPD positivo, mas que não apresentam sinais e sintomas de doença ativa. Embora essa situação não indique a necessidade obrigatória de tratamento, vários pesquisadores mostraram a importância da terapia, especialmente em indivíduos jovens. 9

 Além disso, dispomos da Estratégia do Tratamento Supervisionado, recomendada pelo Ministério da Saúde, que tem como intuito principal a supervisão da tomada da medicação por um profissional de saúde, garantindo adesão ao tratamento e reduzindo o risco de transmissão da doença na comunidade. 5,8

O atendimento odontológico à pessoa com possibilidade de transmitir a tuberculose deve ocorrer apenas em caráter de urgência, evitando-se ao máximo procedimentos que gerem aerossóis, como profilaxias, restaurações, dentre outros. Tais procedimentos devem ser feitos mediante aprovação que ele não está em estágio infeccioso pelo médico, garantindo seu atendimento como outro paciente comum, mantendo as normas de precauções universais. 6,9

A TB está entre as enfermidades com potencial grau de transmissão ao cirurgião-dentista, que podem contaminar diretamente o profissional ao atingirem a pele e a mucosa, por inalação e ingestão, ou indiretamente, quando contaminam as superfícies. As gotículas e os aerossóis são gerados durante a tosse, espirro e fala, ou são provenientes dos instrumentos rotatórios, seringas tríplices, equipamentos ultrassônicos e por jateamento. 11

Os Serviços Odontológicos de prevenção e controle de riscos elenca algumas estratégias para reduzir a contaminação pelos aerossóis gerados no consultório odontológico, como podemos observar no quadro abaixo, podendo o profissional readequar algumas orientações as suas realidades nas ESF.

Usar dique de borracha Acionar os botões da seringa tríplice ao mesmo tempo
Regular a saída de água de refrigeração Realizar antissepsia antes dos procedimentos
Manter o ambiente ventilado Usar equipamentos de Proteção individual
Evitar contato com pacientes suspeitos de TB Usar avental descartável
FONTE: Serviços Odontológicos: Prevenção e Controle de Riscos / Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2006).

 

Para além da adoção das medidas supracitadas é pertinente a integração da equipe multidisciplinar, a discussão de casos, juntamente com os agentes comunitários de saúde, a fim de identificar o SR no domicílio, diminuindo ainda mais a possibilidade de o indivíduo circular pela unidade sem conhecimento do profissional. 6,9

A partir do elucidado se compreende a importância da atuação do Cirurgião-dentista nas equipes de Saúde da Família frente a pacientes com TB. Sendo essencial um olhar holístico e conhecedor do caso que se está trabalhando para desenvolver um cuidado com segurança, equitativo, integral e com interligação das redes de atenção à saúde, nas perspectivas inter-trans e multidisciplinar.

Texto elaborado pela cirurgiã-dentista Tais Almeida Santana – graduada pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia; residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família (FESF-SUS).

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

 Patologia oral & maxilofacial/Brad Neville … [et. al.]; [tradução Renata Tucci, Mônica Israel]. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Diagnóstico Laboratorial de Tuberculose e Micobactérias não Tuberculosas de Interesse em Saúde Pública no Brasil. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasil Livre da Tuberculose: Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

 WHO, World Health Organization. Draft global strategy and targets for tuberculosis prevention, care and control after 2015. [A67/11] Secretariat World Health Assembly, 2014.

Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Serviços Odontológicos: Prevenção e Controle de Riscos / Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

Brasil. Ministério da Saúde. Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV. [V.l.] Ministério da Saúde, 2014.

Ju WT, Fu Y, Liu Y, Tan YR, Dong MJ, Wang LZ, Li J, Zhong LP. Clinical and pathologic analyses of tuberculosis in the oral cavity: report. of 11 cases. Oral Surg Oral Med. Oral Pathol. Oral Radiol. 2018 Jan;125(1):44-51. Doi: 10.1016/j.oooo.2017.09.015. E pub 2017 Sep. 28.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 92 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica; 17).

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