Rede de Atenção à Saúde Bucal e a integralidade do cuidado em tempos de COVID-19: o componente hospitalar

A pandemia do Coronavírus 2019 (COVID-19), devido ao seu alto potencial de virulência e transmissibilidade, constitui um enorme desafio para os profissionais de saúde, em especial a aqueles que estão em serviços de alta complexidade. Ao compor a equipe de saúde em unidades hospitalares, a Odontologia tem um importante papel nesse espaço, contribuindo na assistência integral e de forma direta na redução do tempo de internação.
Ao fazer parte da equipe multiprofissional, o cirurgião-dentista passa a dividir responsabilidades com outros integrantes das equipes de saúde, trabalhando no controle das infecções, melhorando a condição geral do paciente e consequentemente sua qualidade de vida na promoção da saúde baseada em evidências científicas, de cidadania, de ética e de humanização (CFO, 2019).
Ademais, destaca-se que já é rotina no atendimento a pacientes internados a precaução através de protocolos de biossegurança de medidas de prevenção de transmissão de doenças entre pacientes e profissionais de saúde, qualquer que seja o fator de risco ou morbidade de base, minimizando infecções cruzadas e a exposição a patógenos respiratórios, incluindo o COVID-19.
Diversas pesquisas no mundo vêm sendo desenvolvidas para identificação do genoma do vírus, produção de vacinas e possíveis tratamentos. Entretanto, devido a dinâmica do novo vírus, muito se tem estudado e ainda muitas informações e dados científicos serão ainda divulgados. A pandemia é dinâmica e muito conhecimento ainda será agregado.
Já se sabe, contudo, que o SARS-CoV-2, causador da COVID-19, foi recentemente identificado na saliva de paciente infectados. Três hipóteses vem sendo levantadas sobre essa detecção: a primeira seria que o vírus migraria do trato respiratório inferior e superior e entraria em contato direto com a cavidade oral, e assim, contaminando-a ; a segunda seria que o vírus presente no sangue chegaria a cavidade oral através do exsudato específico, que contém proteínas locais derivadas da matriz extracelular e proteínas derivadas do soro; e a terceira, que a cavidade oral seria infectada através das glândulas salivares menores e maiores, com a contaminação do vírus na saliva e cavidade oral.

Segundo o Ministério da Saúde, embora a maioria das pessoas com Covid-19 tenha doença leve ou não complicada, algumas desenvolverão a forma mais grave que requer oxigenoterapia (14%), e aproximadamente 5% necessitarão de tratamento em uma unidade de terapia intensiva (UTI). Dos doentes críticos, a maioria necessitará de ventilação mecânica.
Em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em especial em ventilação mecânica, além da manutenção da higiene bucal para prevenção de pneumonia nosocomial com solução de clorexidina a 0,12%, há evidências clínicas que indicam a utilização do peróxido de hidrogênio a 1% tópico utilizado para o COVID-19 em casos suspeitos e/ou confirmados. Recomenda-se que após aspiração inicial de secreções acima do cuff, complementar a proteção pulmonar com tampão de gaze antes da utilização do peróxido de hidrogênio a 1%, sendo imprescindível a cabeceira da cama elevada e a aspiração contínua. A escolha do uso do tampão deve ser decidida em conjunto com equipe multiprofissional e CCIH de cada serviço, desde que possua cirurgião-dentista habilitado na equipe (AMIB, 2020).

Em caso de paciente sem suporte ventilatório, lucido e orientado, recomenda-se o uso peróxido de hidrogênio de 1,0% a 1,5% (9mL da solução por 30 segundos), como enxaguatório bucal pré-procedimento. Como ele é disponibilizado no mercado a 3%, deve-se trabalhar com a Farmácia hospitalar no sentido de viabilizar a dispensação de formulação a 1%. Entretanto, ressalta-se que o uso prolongado do peroxido de hidrogênio e fator de risco para o desenvolvimento de câncer. Além dos enxaguatórios e soluções para controle químico, o controle mecânico deve ser feito, com material descartável. Não é recomendado o armazenamento de escova dental. Estas deverão ser descartadas após o seu uso.
Recomenda-se a necessidade da discussão de cada caso com a equipe multidisciplinar para a viabilidade e manutenção do protocolo de higiene bucal. Qualquer procedimento realizado dentro do ambiente hospital deve ser procedido de discussão criteriosa com a equipe de saúde, análise cuidadosa e rigorosa de evidências cientificas e seguindo as orientações clínicas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde.
Deve-se destacar, também, o papel do cirurgião-dentista fora do ambiente hospitalar, no contexto da pandemia. Segundo o Ministério da Saúde, através da Nota técnica Nº 9/2020-CGSB/DESF/SAPS/MS, publicada em março de 2020 e das Recomendações da Associação de Medicina Interna e Conselho Federal de Odontologia de 25 de março de 2020, é consenso que em relação a procedimentos odontológicos, nesse momento do surto, os tratamentos eletivos devem ser postergados. Apenas urgências/emergências deverão ser realizadas.

De acordo com a American Dental Association (ADA) as emergências incluem: condições de sangramento descontrolado; celulite ou infecção bacteriana difusa dos tecidos moles com edema intrabucal ou extrabucal que comprometa potencialmente as vias aéreas do paciente; ou trauma envolvendo ossos faciais que potencialmente comprometa as vias aéreas do paciente. São considerados procedimentos de urgência: a pulpite irreversível; pericoronite; osteite pós-operatória cirúrgica ou troca de curativos de cavidade seca; abscesso ou infecção bacteriana localizada, resultando em dor e inchaço localizados; fratura de dente resultando em dor ou causando trauma nos tecidos moles; trauma dentário com avulsão / luxação; confecção de restauração temporária caso a restauração for perdida, quebrada ou esteja causando irritação gengival; cárie extensa ou restaurações defeituosas que causam dor.
Além disso, recomenda-se que próteses removíveis deverão ser entregues aos familiares ou responsáveis, não sendo adequado o seu armazenamento no ambiente hospitalar. Deve-se atentar, ainda, a precauções para contato com aerossóis, somadas às precauções padrão em relação a biossegurança em todos os procedimentos realizados.

REFERÊNCIAS

  1. American Dental Association (ADA). Interim Guidance to view the three flowcharts detailing processes to minimize COVID-19 transmission when treating dental emergencies [Internet]. Chicago: American Dental Association;2020 [revised 2020 abr 01]. Disponível em https://www.ada.org/~/media/CPS/Files/COVID/ADA_COVID_Int_Guidance_Treat_Pts.pdf?utm_sourc e=cpsorg&utm_medium=cpsalertbar&utm_content=cv-pm-ebd-interimresponse&utm_campaign=covid-19
  2. Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Departamento de Odontologia AMIB; Comitê de Odontologia AMIB/CFO de enfrentamento ao COVID-19. Recomendações AMIB/Conselho Federal de Odontologia para atendimento odontológico COVID- 19. [Internet]. São Paulo: Associação de Medicina Intensiva Brasileira; 25 mar 2020 [acesso em 12 mai 2020]. Disponível em: https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/marco/26/2603Recomendacoes_AMIBCFO_para_atendimento_odontologico_COVID19_atualizada.pdf
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência. Protocolo de manejo clínico da Covid-19 na Atenção Especializada [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência. – 1. ed. rev. – Brasília : Ministério da Saúde, 2020. 48 p. : il.
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Nota técnica gvims/ggtes/anvisa nº 04/2020 orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). (atualizada em 08/05/2020)
  5. Conselho Federal de Odontologia. Resolução 204 DE 21.05.2019.Disponivel em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucao-cfo-204-2019.htm
  6. FIOCRUZ. Disponivel em: https://portal.fiocruz.br/coronavirus/informacao-em-saude
  7. FRANCO, J;CAMARGO, A;MELO PERES,M.P. Cuidados odontológicos na era do COVID-19.Recomendações para procedimentos odontológicos profissionais. REV ASSOC PAUL CIR DENT 2020;74(1):18-21
  8. Hydrogen peroxide: Drug information. Official reprint from UpToDate www.uptodate.com ©2020 UpToDate.
  9. Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. China Novel Coronavirus Investigating and Research Team. A Novel Coronavirus from Patients with Pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020;382(8):727-733. 7. Zhou P, Yang XL, Wang XG, Hu B, Zhang L, Zhang W, et al. A pneumonia outbreak associated with a new coronavirus of probable bat origin. Nature. 2020;579(7798):270-273
  10. Zou L, Ruan F, Huang M, Liang L, Huang H, Hong Z, et al. SARS-CoV-2 Viral Load in Upper Respiratory Specimens of Infected Patients. N Engl J Med. 2020;382(12):1177-1179. 12. To KK, Tsang OT, Leung WS, Tam AR, Wu TC, Lung DC, et al. Temporal profiles of viral load in posterior oropharyngeal saliva samples and serum antibody responses during infection by SARS- -CoV-2: an observational cohort study. Lancet Infect Dis. 2020;pii: S1473-3099(20)30196-1. 13. Xu H, Zhong L, Deng J, Peng J, Dan H, Zeng X, et al. High expression of ACE2 receptor of 2019-nCoV on the epithelial cells of oral mucosa. Int J Oral Sci. 2020;12(1):8.

*Graduada em Odontologia pela Faculdade de Odontologia da UFBA. Especialista em Gestão em Saúde pela UFURGS
Doutora em Odontologia , professora Associada da Faculdade de Odontologia da UFBA e do Programa de Pós Graduação de Odontologia e Saúde – FOUFBA .
Presidente da Comissão de Odontologia Hospitalar do Conselho Regional de Odontologia.
Membro da Comissão Nacional de Odontologia Hospitalar do Conselho Federal de Odontologia
Coordenadora do Curso de Aperfeiçoamento em Odontologia Hospitalar da Faculdade de Odontologia da UFBA/Hospital Roberto Santos.

Contato: andreialealfigueiredo@gmail.com

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