Práticas integrativas e complementares no cuidado com a saúde

Nas civilizações antigas a doença humana era percebida como um fenômeno mágico-religioso e, desse modo, as formas de intervenção se limitavam aos rituais de magia e feitiçaria, ao uso de plantas medicinais, massagens, banhos e sangrias. As críticas a essa visão surgem com o nascimento do Movimento Moderno quando o conhecimento válido passa a ser apenas aquele baseado na racionalidade científica. Nesse contexto, o processo saúde-doença passa a ser compreendido com base nos fatores biológicos, sendo o corpo humano concebido como uma “máquina”.

O cuidado com a saúde pautado na intuição, na subjetividade, na espiritualidade, na observação e escuta do homem e em seu contexto de vida foram banidos e nós polarizamos esse “cuidado” sustentados apenas pelos conhecimentos que a ciência moderna nos oferece: tecnologias cada vez mais modernas e diagnósticos e tratamentos especializados, como se o adoecimento do homem pudesse ser compartimentalizado. Concordo que esses conhecimentos e essas ferramentas foram necessários. Entretanto, como a própria história nos ensina, pecamos na polarização; em negar todos os nossos conhecimentos ancestrais confiando que o melhor é apenas o que é “científico” e moderno. Refletindo sobre tudo o que estamos assistindo no campo da saúde atualmente, eu imagino que existe uma sabedoria imanente no Universo que vai nos orientando quando estamos nos desviando muito do virtuoso caminho do meio…

Nessa perspectiva, eu penso que o estilo de vida moderno, as manifestações do adoecimento e as ferramentas que estamos empregando para cuidar da saúde humana estão gritando por equilíbrio das polaridades que produzimos. Chegou a hora de integrar os conhecimentos: a sabedoria e a subjetividade dos nossos antepassados com os conhecimentos científicos vigentes para, de fato, produzir saúde.

Precisamos, urgentemente, reduzir o excesso de medicalização que assistimos no campo da saúde, reconhecendo a inconsistência de compreender o processo saúde-doença que analisa e “trata” o ser humano de forma fragmentada. A medicina psicossomática já tem nos dado provas suficientes de quanto os fatores psicológicos e sociais funcionam como disparadores das doenças que se manifestam no corpo físico.

Embora, subestimado, os transtornos mentais comuns (estresse negativo, distúrbios do sono, depressão, ansiedade, transtornos obsessivos compulsivos – TOC, síndrome do pânico, síndrome de burnout…) têm se manifestado como causas de sofrimento humano e estão cada vez mais presentes na vida dos brasileiros. Os dados da pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2013) apontaram que 7,6% da população brasileira acima de 18 anos relataram ter diagnóstico de depressão feito por um profissional de saúde, sendo os maiores percentuais registrados nas regiões Sudeste (8,4%) e Sul (12,6%). Na Bahia esse percentual foi de 5%. Considerando aqueles casos não diagnosticados e a manifestação dos demais transtornos, vejo esse registro com uma grande probabilidade de subnotificação.

Esse adoecimento do Homem Moderno tem se manifestado de forma complexa e isso nos alerta que precisamos compreendê-lo como uma manifestação multirreferencial (biopsicossocial e espiritual) e, a partir desse olhar, desenvolver propostas de cuidado com a saúde, lançando mão de diferentes ferramentas, de modo que elas possam atuar de forma integrada e complementar ao modelo tradicional. Emerge, nesse contexto, o movimento da Humanização em Saúde e o movimento da Medicina Integrativa.

No Brasil, a Política Nacional de Humanização (PNH), dentre outras propostas, nos convida a fazer uma escuta sensível dos pacientes, a criar ambientes de saúde acolhedores que favoreçam o encontro entre as pessoas, a desenvolver processos de trabalho que prezem a valorização e a saúde do trabalhador e a criação das clínicas compartilhadas que visam o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações de saúde.

Na Política Nacional de Práticas Integrativas e complementares, o SUS prossegue incluindo ferramentas de cuidado com a saúde que adotam uma perspectiva integral do ser humano, compreendendo o adoecimento como a expressão da ruptura da harmonia em suas diferentes dimensões. Tais práticas, “envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde” (BRASIL-MS., 2006). Dentre as práticas recomendadas, estão incluídas: a medicina tradicional chinesa, a acupuntura, a homeopatia, a meditação, a yoga, o reiki e a Terapia Comunitária Integrativa (TCI).

Ainda que essa política sofra resistências e descrença por parte de muitos profissionais, observamos alguns avanços, como por exemplo, aqueles registrados na Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo revelando que no ano 2000 cerca de 6 unidades de saúde desenvolviam pelo menos uma modalidade de Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS). Em 2015 esse número subiu para 520 unidades.

No campo da odontologia, ainda temos um olhar limitado sobre a PNH e a PICS. É possível que o foco em uma formação, predominantemente, tecnicista afaste de nós as possibilidades de cuidar dos pacientes em uma perspectiva mais integral. Entretanto, são tantos os passos que podemos dar na direção do autocuidado e do cuidado com os pacientes ao adotar uma prática mais humanizada e as ferramentas das práticas integrativas… O que conhecemos acerca dessas ferramentas? O quanto lançamos mão delas para lidarmos com as nossas próprias emoções e com as dos nossos pacientes em nossa prática profissional?

*Mariangela Silva de Matos– Cirurgiã-Dentista, Mestre em Odontologia e doutora em Educação – Professora aposentada da FOUFBA
Terapeuta – Reiki, Florais de Bach, Terapia Comunitária Integrativa e Constelações Familiares.

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