O cirurgião-dentista e os traumatismos dento alveolares na dentição decídua: como proceder?

Tais Almeida Santana

Os traumatismos dento alveolares são situações comuns na clínica odontológica, exigindo do cirurgião dentista o conhecimento sobre suas nuances 1. Isso se deve ao grande número de violências (agressões, espancamentos), que vem crescendo no Brasil, aos acidentes de trânsito e outros provocados por diversas causas externas, como as atividades esportivas e brincadeiras realizadas em ambientes pouco seguros, sem o uso dos equipamentos de proteção2,3,4.

É considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), juntamente com o câncer e a lesão cariosa, como um problema de saúde pública mundial 1,5. Apresenta grande significado epidemiológico, uma vez que é muito frequente na infância ocorrendo em 2 a cada 3 crianças antes da idade adulta. Estima-se que o trauma dental acometa cerca de 60 % das crianças em todo o mundo e que tenha cerca de 1 bilhão de vítimas de traumatismos, com 60 milhões de novos pacientes a cada ano2,4.     

Tais agravos são situações de urgências odontológicas em que os pacientes chegam até os cirurgiões-dentistas inesperadamente, necessitando de atendimento, com lesões que podem atingir diferentes tecidos, como a mucosa bucal, a polpa, o ligamento periodontal e o osso alveolar. Portanto é imprescindível ao atender um paciente com esse perfil realizar um exame clínico bem detalhado e criterioso (saber como, onde e quando ocorreu), avaliação neurológica (considerando que pode ter o envolvimento de outras estruturas de cabeça-pescoço) e exame radiográfico 2,4,5.

Os traumas dentários são acontecimentos que trazem um grande impacto na qualidade de vida da criança, podendo refletir no futuro adolescente, como: limitações na fala e na mastigação, comprometendo a estética, problemas no convívio social, podendo desenvolver questões psicológicas a ponto de a criança evitar sorrir, conversar, e preferir se isolar 4. Além dessas ocorrências, pode haver ainda implicações para dentição permanente, como malformação dentária, dentes impactados e distúrbios de erupção. Podendo apresentar descolorações esbranquiçadas ou amarelo-amarronzadas da coroa e hipoplasia dos incisivos permanentes, decorrentes da intrusão e avulsão, em crianças de 1 a 3 anos de idade. Em decorrência ao potencial de sequelas, o cirurgião-dentista deve elaborar planos de tratamento com o propósito de minimizar riscos adicionais de danos aos dentes permanentes 2,4.

Dessa forma, a equipe de saúde bucal (ESB) deve sempre realizar a monitorização dos possíveis casos de traumatismos na sua área de atuação para identificar os fatores sociais, ambientais, culturais e individuais que determinam sua ocorrência; a fim de propor ações de promoção de saúde, que visem identificar possíveis fatores de risco para o trauma, e, que assegurem medidas de proteção e prevenção de acidentes para garantir comportamentos seguros. É primordial a interseção das equipes na realização dessas tarefas 2,4.

É essencial a elaboração de um protocolo que guie a equipe no transcorrer dos casos de traumatismos, e que ela esteja capacitada para o acontecimento, com o objetivo de definir, em sua área de abrangência, qual a melhor metodologia a ser empregada para a definição dos tipos de traumatismos, quais os instrumentos se têm à disposição para intervir, e monitorar as eventuais sequelas 2,4. Sendo importante a realização de Matriciamento com a equipe para reconhecer os casos de traumatismos e saber intervir, tendo ciência que cada caso é um caso e traz consigo peculiaridades e necessidades.

O cuidado ideal aos traumas dentários deve incluir intervenções imediatas como a assepsia da área afetada, controle do sangramento, da dor (prescrever medicação e realizar sutura da região, quando necessários), observar o grau de comprometimento da infecção, conferir a caderneta de vacinação da criança, ficar atento aos dentes danificados para evitar contaminação bacteriana nos túbulos dentinários e possível inflamação pulpar e monitorização. Em casos necessários realizar a contenção, sendo que a contenção é utilizada apenas para fraturas ósseas alveolares e fraturas radiculares intra-alveolares, supervisionar e acompanhar o caso a depender da situação até a esfoliação completa da unidade dentária, e a erupção do sucessor 4.

Sendo importantíssimo instruir os responsáveis pela criança de como proceder após um episódio de trauma, como estabelecer uma higiene oral adequada, aplicação tópica de clorexidina 0,12% na área afetada com gaze ou cotonete, duas vezes ao dia, por 1 semana, evitando assim, o acúmulo de biofilme e detritos, incentivar uma dieta leve por dez dias e restringir o uso de chupeta, mamadeiras, principalmente em casos de intrusão, para favorecer a reerupção espontânea, e realizar o monitoramento da criança, procurando sempre a unidade em casos de algum estranhamento 4.

Algumas lesões dentárias traumáticas podem e devem ser resolvidas na Atenção Básica (AB), outras podem ser encaminhadas para o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) ou hospital, de acordo com a gravidade e extensão do trauma e das condições físicas do usuário. Sendo os atendimentos de urgência de conhecimento do profissional e prestado por ele na AB 2,4.

A Associação Internacional de Traumatologia Dentária desenvolveu um conjunto de medidas que podem ser adotadas pelo Cirurgião-dentista nos traumas em tecidos moles e duros na dentição decídua.  

A partir do elucidado é possível compreender a importância de o Cirurgião-dentista conhecer tais realidades, visto que são situações corriqueiras em suas práticas clínicas, permitindo ao mesmo agir de forma objetiva, eficaz e rápida favorecendo a qualidade e o prognóstico do tratamento.

 

Colunista: Tais Almeida Santana – Cirurgiã-Dentista formada pela UFBA; Residente em Saúde da família (FESF-SUS).

 

Referências

1- DANTAS, VB; Alves, AC; Scavuzzi, AIF. Prevalência de trauma dental em crianças e adolescentes atendidos no NEPTI da FOUFBA. Revista da ABENO 19(2):71-81, 2019 – DOI: 10.30979/rev.abeno.v19i2.871.

2- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 92 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica; 17).

3- CANTANHEDE, Luana Martins. Traumatismo em tecidos moles e tecidos duros na dentição decídua. In: UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Saúde Bucal na Atenção Primária: Urgências, Doenças Transmissíveis, Gestantes, Puérperas e Pessoas Com Deficiência. Cuidado em saúde bucal para pessoas em situações de urgências odontológicas. São Luís: UNA-SUS; UFMA, 2021.

4- MALMGREN, B.; ANDREASEN, J.O.; FLORES, M.T.; ROBERTSON, A.; DIANGELLIS, A. J. et al. International Association of Dental Traumatology guidelines for the management of traumatic dental injuries: 3. Injuries in the primary dentition. Dent Traumatol, v. 28, n.3, p. 174-182, 2012.

5 – PETERSEN, PE; BOURGEOIS, D; OGAWA, H; DAY, S.E; NDIAYE, C. The global burden of oral diseases and risks to oral health. Bulletin of the World Health Organization. September 2005, 83 (9).

6- LOSSO, Estela Maris et al. Traumatismo dentoalveolar na dentição decídua. RSBO Revista Sul-Brasileira de Odontologia, v. 8, n. 1, p. e1-e20, 2011.

7- PIVA, Fabiane et al. Atendimento de urgência frente ao traumatismo alvéolo dentário: relato de caso clínico. Revista da Associação Paulista de Cirurgiões-dentistas, v. 67, n. 4, p. 272-277, 2013.

8- PORTOI, D.E; CAVALCANTEII, J.R. Tratamento de Lesões Faciais por Mordedura de Animal: Relato de casos. Revista de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilo-facial, vol.16, nº1 Camaragibe, 2016.

9- KRAMER, Paulo Floriani et al. Reabilitação estético-funcional de fraturas coronárias em dentes decíduos. Revista da Faculdade de Odontologia-UPF, v. 12, n. 1, 2007.

 10- VIANA, K. A. S; ALMEIDA, N. S.; SIMÃO, N. R. Traumatismo Dentário Na Dentição       Decídua. IV Jornada de Iniciação Científica do UNIFACIG. 2019.

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