Manejo da Urgência Endodôntica na Atenção Primária à Saúde.

Vitória Rodrigues

De acordo com a portaria Nº354, do dia 10 de março de 2014, anexo 2, a urgência pode ser definida como uma ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial à vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.   Urgências em odontologia podem envolver várias situações, dentre elas, estão: fraturas dentoalveolares, fraturas dentais com exposição pulpar, dor dental aguda (pulpites), abscessos dentoalveolares, dilacerações de mucosas e hemorragias.¹

O principal motivo para os pacientes procurarem atendimento odontológico de urgência nos serviços públicos é a presença de dor; sendo que essa pode ser originária dos tecidos dentários; ou, se manifestar de forma estendida, caracterizando inflamação que acomete também os tecidos de suporte dentário. Contudo, a precisão com que o paciente descreve a dor irá depender da extensão do processo inflamatório. ²

No caso do atendimento odontológico em unidade de atenção primária à saúde, a opção de tratamento é realizar apenas o atendimento de urgência para retirar o paciente do quadro de dor aguda presente e encaminhá-lo para realização do tratamento endodôntico completo na Atenção Especializada.¹

O diagnóstico é um passo fundamental no tratamento das urgências e emergências de origem endodôntica, pois é a partir do diagnóstico preciso que será instituído o tratamento correto, restituindo assim a saúde do paciente.¹

Nesses casos o diagnóstico é uma associação de avaliações, (1) anamnese detalhada, investigando intensidade da dor, período de duração, como se dá o aparecimento, caracterização da dor, se é pulsátil, intermitente, constante, cede ao uso de analgésicos, aumenta ou diminui com a ingestão de alimentos frios e quentes. (2) Exame clínico de inspeção clínica minuciosa, com o campo seco e bem iluminado avaliar a estrutura dentária, presença de cavidades, de restaurações extensas, fraturas. Nessa etapa devem ser realizados testes de percussão tanto vertical quanto horizontal; (3) teste de sensibilidade ao frio, comumente feito com spray gelado, esse teste é realizado de efeito comparativo, então sempre deverá ser realizado em um dente hígido e na unidade em que está sendo avaliada; (4) exame radiográfico, preferencialmente deve ser feito em duas tomadas, a periapical para avaliação da presença de reação periapical, e interproximal para avaliar a proximidade da cárie/restauração da câmara pulpar. Após realizar os testes, a condição pulpar pode ser classificada de acordo com a sua resposta clínica, e alterações da região periapical.

As alterações inflamatórias inicialmente podem ser divididas em: Reversíveis e Irreversíveis.  Quando se trata de uma Alteração Reversível a dor é provocada, há presença de cárie/ restaurações profundas/ restaurações recentes; nesses casos pode ser indicado restaurar a unidade, capeamento direto, capeamento indireto ou pulpotomia.³ Nas Alterações Irreversíveis a normalidade irá se apresentar como dor espontânea, difusa ou localizada, não aliviando com analgésicos, e seu tratamento será o endodôntico. Quando o dente se apresenta em Necrose, quando a unidade não responde a testes de sensibilidade, pode estar escurecido, presença de lesão cariosa extensa ou restauração profunda, histórico de trauma; o tratamento será o endodôntico.³ 4

As alterações do periápice costumam se apresentar como abscesso, que pode estar em fase inicial (fase I), com dor intensa, espontânea, pulsátil e localizada, com a sensação de dente crescido, presença de coleção purulenta e o teste de vitalidade pulpar será negativo. O abscesso em evolução (fase II) terá uma dor de menor intensidade, quando comparado o abscesso em fase inicial. A diferença entre ambos é que nesse estágio já é possível visualizar edema evidente, sem ponto de flutuação.  Na fase III, o abscesso evoluído terá edema com ponto de flutuação e ao exame radiográfico é possível ver uma rarefação óssea difusa. Nessa fase é importante ter atenção aos casos que apresentem comprometimento sistêmico (febre, prostração, dificuldade de deglutição), sendo importante prescrição de antibiótico sistêmico e o paciente deve ser examinado por um médico.4

Após realizar o diagnóstico e ter a confirmação da necessidade do paciente ser encaminhado para realizar o tratamento endodôntico, o tratamento de urgência poderá ser realizado para alívio da dor do paciente.  

Tanto em dentes já necrosados, quanto em dentes em processo inflamatório irreversível, o profissional deverá:

  1. Anestesiar o paciente.
  2. Realizar o isolamento absoluto.
  3. Realizar abertura coronária de maneira que todos os condutos sejam localizados.
  4. Lavagem inicial da cavidade com Hipoclorito de Sódio/Clorexidina para dentes necrosados, Soro fisiológico ou Hipoclorito de Sódio/ Clorexidina para dentes ainda vivos.
  5. Usar medicação de demora, que deverá ser aplicada com bolinha de algodão ou esponja estéril. Em dentes necrosados: formocresol é a substância mais segura para uso e eficaz, desde que seja usado da maneira correta. Sendo assim deve ser aplicado no algodão/esponja estéril, removido o excesso e, levado a câmara pulpar. Em dentes com pulpite Irreversível: Pode ser usado Otosporin ou Dexametasona em colírio. Para o uso deve embeber a esponja/algodão estéril na substância e levar a cavidade de modo que fique encharcado.
  6. Para finalizar a cavidade deve ser selado de forma eficaz, com material adesivo, o recomendado é o uso de Cimento de Ionômero de Vidro e Resina Composta.

Em caso de sangramento intenso em dente com pulpite irreversível, deve-se fazer uma boa lavagem com soro fisiológico gelado ou uma lavagem intensa com hipoclorito de sódio, e se tiver a possibilidade usar Água de Cal, misturar soro fisiológico (10 ml), com uma medida de hidróxido de cálcio PA (deve se ter como medida a colher dosadora  comumente usada em ionômero de vidro); o líquido fica esbranquiçado e deve ser levado a câmara pulpar com uma seringa e deve ser deixado agindo na câmara por 5 min.

As medicações de demora têm efeito por 72h e, dessa forma, o paciente deve ser encaminhado o quanto antes para o serviço especializado para realização do tratamento endodôntico.

Colunista: Vitória Rodrigues de Santana – Cirurgiã-Dentista

Referências

  1. Cassol HJS., Carpes AC.,  Piardi CC. Urgências Odontológicas associadas à Dor de Origem Pulpar e/ou Periapical: Uma Revisão de Literatura. Rev Fac Odontol Univ Fed Bahia 2021; 51(2): 69-81
  2. SILVA, Everton Lindolfo da et al. Urgência em Endodontia: Diagnóstico e tratamento em casos de Pulpite Irreversível sintomática. SALUSVITA, Bauru, v. 39, n. 1, p. 153-168, 2020.
  3. Estrela, C. Endodontia – Princípios Biológicos e Mecânicos. 1a. Edição, 1999.
  4. Lopes, H.P; Siqueira Jr, J. F. Endodontia – Biologia e Técnica 2a. Edição, 2004.
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