Atenção odontológica a pacientes idosos portadores da Doença de Parkinson na Atenção Primária à Saúde.

Adriele Taiane S. Souza

A Doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa, progressiva e irreversível, caracterizada pela rigidez muscular, tremor de repouso, bradicinesia e distúrbio da marcha que pode levar à instabilidade postural. Apesar de, inicialmente, ser definida como um distúrbio motor, hoje essa doença é reconhecida como uma desordem mais complexa, visto que, além das alterações motoras, o individuo acometido por esta patologia apresentará outras características, como perda cognitiva e demência, alucinações e psicoses, ansiedade, depressão, distúrbios do sono, apatia, manifestações neuropsiquiátricas, além de dor, fadiga, alterações dermatológicas, rinorreia, disfunção autonômica e distúrbios sensoriais. (1) 

É considerada a segunda doença neurodegenerativa mais comum, perdendo apenas para a doença de Alzheimer. Sua prevalência é de 1% em idosos com idade superior a 65 anos, sendo que a frequência é aumentada com a idade. (2).

Devido às suas várias manifestações motoras e não motoras a doença de Parkinson pode causar várias alterações bucais no paciente como, tremores dos lábios, línguas e movimentos mandibulares involuntários, que podem induzir à dor orofacial, ao desconforto da articulação temporomandibular, além de fraturas e desgastes dentários; dificuldades de alimentação, em decorrência do ato mastigatório está lento e pouco eficiente, há redução dos movimentos da língua, o que leva à dificuldade de formação e propulsão do bolo alimentar para a porção posterior da boca que, somados à disfagia (dificuldade de deglutição), tornam o processo de alimentação bastante lento e menos eficiente; 

Dificuldade de abertura bucal, devido à rigidez da musculatura orofacial; controle precário da higiene bucal, em função das dificuldades citadas anteriormente; maior prevalência de cárie dentária e doença periodontal; dificuldade em colocar e retirar próteses dentárias removíveis; dificuldade de deglutição, decorrente da falta de controle neurológico; retenção de restos alimentares na cavidade bucal; sialorreia com acúmulo de saliva nas comissuras labiais, levando à irritação da pele e à queilite angular provocada por Candida spp;

 O acúmulo de saliva ocorre em função da dificuldade de deglutição da mesma; síndrome da ardência bucal, caracterizada pela sensação de queimação e dor na mucosa bucal, sem achados físicos ou por meio de exames. Acomete cerca de 25% dos indivíduos com Doença de Parkinson. É acompanhada por xerostomia e disgeusia, sinalizando a ocorrência da disautonomia. A língua é a região mais afetada (2/3 anteriores), seguida dos lábios, do palato, da mucosa bucal, do rebordo alveolar, da faringe e do assoalho de boca. (3)

A assistência odontológica ao paciente com a Doença de Parkinson, na Atenção Primária a Saúde, deve ser planejada e executada de forma interdisciplinar, em conjunto com outros profissionais da Unidade de Saúde da Família (médicos, enfermeiros), da rede especializada (neurologista, fonoaudiólogo) e do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) (psicólogo, fisioterapeuta, nutricionistas) por meio de estratégias direcionadas a adequação do meio bucal, como a eliminação de possíveis focos de infecção, processo inflamatório e dor, decorrente de problemas bucais que possam interferir diretamente na saúde sistêmica da pessoa idosa. (4)(5)

A realização do atendimento odontológico desses pacientes, devem ser feito no período da manhã, pois eles estão mais descansados e os tremores estão reduzidos. Além disso, o atendimento deve ser feito após 60 a 90 minutos da tomada do medicamento, quando este atinge o pico de ação farmacológica. O atendimento não deve ultrapassar 45 minutos, por sessão, pois a cadeira pode se tornar incomoda para os pacientes com DP. (6)(7)

A cadeira odontológica não deve ser inclinada mais que 45°, para evitar engasgamento ou asfixia por aspiração. (8) Deve-se verificar as possíveis interações medicamentosas e a direta relação com a saúde bucal. Pode-se confeccionar e utilizar abridores de boca feitos com palitos de picolé, esparadrapo e gaze, pois contribuem para um maior relaxamento do usuário nas atividades de abertura bucal e nos movimentos involuntários.

A higiene bucal pode ser realizada pela pessoa com deficiência ou pelo seu cuidador ou responsável. Nos estágios moderado e grave, a utilização da escova elétrica pode ser uma alternativa. Bochechos com clorexidina ou outros antissépticos bucais não devem ser prescritos, pois o usuário perde a capacidade de expectoração, o que poderia aumentar os riscos de deglutição. O uso dessas soluções pode ser feito com a utilização de gaze embebida no produto e aplicada na cavidade bucal com o auxílio de um cuidador ou familiar, quando necessário.

A utilização de cimento de ionômero de vidro como material restaurador é indicado, pois além da adesão ao esmalte e à dentina, fornece flúor, o que nestes usuários é desejável devido ao alto risco de desenvolvimento da cárie dentária. Os retornos ao cirurgião-dentista para controle preventivo devem ser agendados, no mínimo, a cada 3 meses, podendo esse período variar de acordo com a necessidade do indivíduo. (9)(3) 


Colunista

Adriele Taiane dos Santos Souza – Residente de Medicina de Família e Comunidade pela Fundação Estatal Saúde da Família (FESF)


Referências

(1) CHOU, K. L. Clinical manifestations of Parkinson disease. UpToDate [Internet]. Post TW, ed. Waltham, MA: UpToDate Inc., 2018. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-of-parkinson-disease> Acesso em 21 nov. 2022.

(2) HAUSER, Stephen L.; JOSEPHSON, S. Andrew. Neurologia clínica de Harrison. 3ª ed. Porto Alegre: AMGH EDITORA LTDA, 2015.

(3) BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Atenção à Saúde Bucal da Pessoa com Deficiência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Especializada à Saúde Departamento de Atenção Especializada e Temática Secretaria de A tenção Primária à Saúde Departamento de Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

(4) MIRANDA, A. F. et al. Atenção em Saúde Bucal aos Pacientes do Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília: uma visão especial da odontologia no contexto multidisciplinar: avaliação do Projeto de Extensão (republicação). Revista Meta: Avaliação, Rio de Janeiro, v. 4, n. 10, p. 68-77, 2012.

(5) BURGESS, J.; MEYERS, A. D. Management of the Dental Patient With Neurological Disease. Medscape News and Education [internet]; 2015. Disponível em: <https://emedicine.medscape.com/article/2091727-overview>. Acesso em: 21 nov. 2022.

(6) MACHADO, Bianca Brito; PIAZERA, Cyrene. Doença de Parkinson e odontologia: uma revisão de literatura narrativa. Revista Ceuma Perspectivas, vol. 30, 2017.

(7) FERREIRA, Beatryz Borges Magalhães et al. A Intervenção Odontológica e a Visão Da Equipe Multidisciplinar em Pacientes Portadores de Parkinson do Hospital Dia Geriátrico de Anápolis. Sci Invest Dent, v. 22, n. 1, p. 76-81, 2017.

(8) CARACÓIS, Lénia Matado. Doença de Parkinson no paciente odontogeriátrico. 2012. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina Dentária) – Faculdade de Medicina Dentária, Universidade de Lisboa

(9) BHAT, V. et al. Complete denture treatment protocol in Parkinson’s disease: a case report. Journal of Indian Academy of Dental Specialists, Mumbai, v. 2, n. 2, p. 63-5, 2011.

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